O mestre Paulo Freire, patrono da educação brasileira, foi secretário
da educação do município de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina
(1989-1992). Após dois anos no cargo de secretário, conforme o combinado,
exonerou-se. Reassumiu a sua condição de Professor na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e retomou suas atividades como escritor. Nesta mesma
época, início dos anos noventa, as novas tecnologias começavam a ocupar espaços
pedagógicos nas instituições de ensino dos principais centros urbanos do nosso país.
Para Freire, as novas tecnologias na educação possibilitariam e disseminação do
conhecimento.
Ainda neste início dos anos noventa, Freire escreve a obra “Pedagogia
da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido”, em que ele faz uma
releitura crítica da “Pedagogia do Oprimido” (obra seminal da práxis freiriana).
Nesta releitura, Freire não abandona suas convicções e reafirma: se a educação
não for libertadora, ela apenas servirá para reproduzir os valores das classes
dominantes.
Em um trecho do livro “A Pedagogia da Esperança”, em relação
à tecnologia na educação, Freire afirma “O
que me parece fundamental para nós, hoje, mecânicos ou físicos, pedagogos ou
pedreiros, marceneiros ou biólogos é a assunção de uma posição crítica,
vigilante, indagadora em face da tecnologia. Nem de um lado, demonizá-la nem de
outro, divinizá-la”.
A justificativa para essa afirmação é a preocupação que
sempre o acompanhou em relação às novas propostas para a educação, que seria
sabermos “para que?”, “para quem?” e “com quais propósitos?” elas se apresentam.
Se esses questionamentos não forem respondidos, teremos dificuldades para saber
e entender a que vieram.
Passados trinta anos do início dessa inserção da tecnologia
na educação, acredito que seja necessário retomar a reflexão do patrono da
educação brasileira diante da nossa atual realidade.
Ao olharmos para dentro das salas virtuais (aulas remotas ou
EAD) dos grandes grupos educacionais do ensino superior no Brasil, veremos turmas
de 100, 200, 300 ou mais alunas e alunos. Alguém pode analisar esses números e
pensar “Que boa notícia! Em plena pandemia os alunos continuam seus estudos a
fim de alcançarem seus objetivos acadêmicos e profissionais”.
Claro que, à frente de centenas de alunas e alunos em cada
turma, há a importante e insubstituível figura de uma PROFESSORA ou de um PROFESSOR.
Mas, concomitantemente a
essa paisagem de salas virtuais repletas de alunas e alunos, tivemos, no
primeiro semestre de 2020, o absurdo número de mais de 1.800 PROFESSORAS e PROFESSORES demitidos dos grandes grupos educacionais no Estado de
São Paulo. Essa
catástrofe não ficou restrita a São Paulo: milhares de outras professoras e professores
foram demitidos de suas instituições de ensino superior em todo o Brasil.
Em
detrimento do ensino, os “empresários da educação” não abrem mão
de suas usuras. Estamos diante de um sucateamento, uma precarização e uma desqualificação
do ensino superior em nosso país. E o Conselho Nacional de Educação está
fazendo o quê? Será que acreditam que esses “empresários da educação?” estão
preocupados em oferecer uma formação acadêmica de qualidade?
Com essa quantidade de alunos nas salas virtuais (ou presenciais,
quando era possível), temos uma perda significativa na qualidade de ensino e
uma brutal precarização do trabalho docente. É claro que, num país continental
como o nosso, e em plena pandemia, é insano ser contrário às aulas remotas ou ensino
a distância, mas mais insano ainda é acreditar que se esteja fazendo ensino de
qualidade com uma centena ou mais de alunas e alunos em uma sala de aula
virtual. Presencial então, sem comentários (quando era possível).
No meu entendimento, se as novas tecnologias na educação não
estiverem ao lado da PROFESSORA e do
PROFESSOR como ferramenta para
auxiliar e qualificar ainda mais o seu trabalho em sala de aula e gerar mais
postos de trabalho, qual será a sua finalidade?
Para os “empresários da educação”, seria a substituição de PROFESSORAS e PROFESSORES por tutores – uma excrescência, uma imoralidade de
função na educação, criada apenas para diminuir despesas e engordar ainda mais
as polpudas contas dos “vendedores de diplomas”. Nesse caso, no entanto, mais
uma vez pergunto: onde está o Conselho Nacional da Educação? Está a serviço de
quem e para quê? Será que estão a serviço dos cifrões capitalistas dos
“vendedores de diplomas”?
Estou convencido de que a tecnologia na educação é imprescindível
sim, caso favoreça mantenedores, docentes e dicentes. Mas, parece que não é o
que está ocorrendo.
Por isso, esse elevado número de alunas e alunos por turma
demonstra a total falta de compromisso com a qualidade de ensino, consideração
e respeito para com a PROFESSORA e o
PROFESSOR, tanto no âmbito
pedagógico quanto no trabalhista.
A verdade é uma só: é muito triste constatarmos que PROFESSORAS e PROFESSORES com uma, duas, ou três décadas de experiência
profissional e qualificação acadêmica (mestres, doutores, pós-doutores) estão sendo
dispensados em massa ou substituídos por tutores ou máquinas. Acredito que é
chegado o momento de se fazer uma profunda reflexão em relação à política
educacional neoliberal desse país. Não é possível que tenhamos que continuar a
passar pela humilhação de sermos um dos países que mais exploram e pior
remuneram suas PROFESSORAS e PROFESSORES, tratando-os também de maneira
tão vil em pleno século XXI.
Enfim, com esses “empresários da educação”, “vendedores de
diplomas”, atrelados a um desgoverno que não tem a mínima noção do que seja
educação, ensino e pesquisa científica, ficará cada vez mais difícil construirmos
um país digno e soberano.
O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com
Para reverter tanto descaso, só o povo nas ruas. Professor é trabalhador. E como tal sofre com políticas neoliberais de ataque aos nossos direitos.
ResponderExcluirA depauperação do ensino neste país, de fato, chega a ser vexatório para todos os brasileiros e brasileiras e, em especial, para nós educadores e educadoras. Necessitamos fazer algo mais!
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