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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

FRATELLI TUTTI - O CAPITALISMO NA DOUTRINA DA IGREJA

 


 Por Pe Fabio dos Santos Potiguar

ECONOMIA VIRGENTE

 

Na Encíclica Fratelli Tutti, sobre a Fraternidade e a Amizade Social, lançada em Assis no último dia 03 de outubro, o Papa Francisco cita o poeta, compositor e cantor brasileiro, também diplomata, o Vinicius de Moraes. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida” (215). A encíclica é sobre encontros. O mundo precisa de encontros, o mundo precisa se encontrar. “ Assim, falar de cultura do encontro significa que nos apaixona, como povo, querer encontrar-nos, procurar pontos de contato, lançar pontes, projetar algo que envolva a todos. Isto tornou-se uma aspiração e um estilo de vida” (216). O papa encontrou na vida e nas palavras do Pobrezinho de Deus, São Francisco de Assis, o título para essa Carta. Somos todos irmãos, diria e irmãs! Aliás, a decisão de escrevê-la nasceu do encontro com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb quando assinaram juntos, no Egito, o Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da fraternidade humana em Abud Dhabi em 04 de fevereiro de 2019.

 Gostaria de partilhar algumas reflexões e pistas que o papa nos aponta sobre o modelo econômico vigente e, também, acerca do diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural.

 Economia Neoliberal.

O Papa Francisco, em conformidade com a Doutrina Social da Igreja já expressa nas encíclicas, no catecismo, no compêndio e nos pronunciamentos dos seus antecessores faz uma crítica contundente a uma economia que não tenha como centralidade a dignidade da pessoa humana, a justiça social e o respeito ecológico.

O próprio Catecismo que condena o comunismo, condena igualmente o capitalismo, não em si mesmo, mas quando desumano ou selvagem, como é frequentemente.

O Papa Bento XVI, em 2007, no seu livro Jesus de Nazaré criticou “a crueldade do capitalismo, do colonialismo e do poder dos ricos sobre os pobres. Confrontados com o abuso do poder econômico, com a crueldade do capitalismo que rebaixa os homens a mercadorias, nós começamos a ver mais claramente os perigos da riqueza e a entender em uma nova maneira o que Jesus queria ao nos alertar sobre a opulência”. Vai repetir outras vezes, como fez na Mensagem de Ano Novo de 2013: “Causam apreensão os focos de tensão e conflito causados por crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado”. No mesmo ano, poucos dias depois, falou aos participantes os participantes da XXIV Assembleia Plenária do Pontifício Conselho Cor Unum: “o capitalismo selvagem gerou crise, desigualdade e miséria".

 O mesmo podemos dizer do papa São João Paulo II na sua histórica visita a Cuba em janeiro de 1998. ” Ressurge em vários lugares uma forma de neoliberalismo capitalista que subordina a pessoa humana e condiciona o desenvolvimento dos povos às forças cegas do mercado, impondo um gravame, a partir dos seus centros de poder, aos povos menos favorecidos com ônus insuportáveis. Assim, por vezes, impõem-se às nações, como condições para receber novas ajudas, programas econômicos insustentáveis. Deste modo, assiste-se no concerto das nações ao enriquecimento exagerado de poucos à custa do empobrecimento crescente de muitos, de forma que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”.

O neoliberalismo é marcado pelo chamado Estado Mínimo. Tivemos como triste exemplos no país, as reformas trabalhista e da previdência, além do congelamento por vinte anos de recursos para as políticas nas áreas da saúde, da educação, dentre outras. A economia não deve ser regida pelo Estado, mas pelo mercado. Por eles modelos ser em contrária a Doutrina a Igreja, elas são condenados.

 O Papa Francisco na Fratelli Tutti também condena esse modelo. Já o havia feito em seu Encontro com os Movimentos Sociais em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 2015. “Reconhecemos nós que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se isso é assim – insist – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”. Vai repeti-lo tantas outras vezes, especialmente na encíclica Laudato Si.

Mas, assim escreve o papa na sua nova encíclica. 

“O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja. O neoliberalismo reproduz –se sempre igual a si mesmo, recorrendo à mágica teoria do «derrame» ou do «gotejamento» - sem a nomear – como única via para resolver os problemas sociais. Não se dá conta de que a suposta redistribuição não resolve a desigualdade, sendo, esta, fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social. Por um lado, é indispensável uma política económica ativa, visando «promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial», para ser possível aumentar os postos de trabalho em vez de os reduzir. A especulação financeira, tendo a ganância de lucro fácil como objetivo fundamental, continua a fazer estragos” (168). O papa continua afirmando a importância dos Movimentos Sociais na participação nesse processo como verdadeiros protagonistas. “É necessário pensar a participação social, política e económica segundo modalidades tais «que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce a integração dos excluídos na construção do destino comum. Implica superar a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projeto que reúna os povos” (169).

 Faço questão de citar os três últimos papas, mas poderia citar os papas Leão XIII, Pio XI, São João XXIII E São Paulo VI. Você poderá encontra-los no decorrer da leitura da Encíclica Fratelli Tutti.

 De fato, o deus mercado. O Catecismo da Igreja nos números 2424 e 2425 é muito claro quando condena, por um lado, o ateísmo do materialismo histórico e, o por outro, o ateísmo do materialismo do capitalismo.

 “Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica, é moralmente inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa de produzir os seus efeitos perversos e é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social. Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva da produção», é contrário à dignidade humana (166). Toda a prática que reduza as pessoas a não serem mais que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para propagar o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24; Lc 16, 13).

 “A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao «comunismo» ou ao «socialismo». Por outro lado, recusou, na prática do «capitalismo», o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano. Regular a economia só pela planificação centralizada perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela lei do mercado é faltar à justiça social, «porque há numerosas necessidades humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado». É necessário preconizar uma regulação racional do mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa hierarquia dos valores e tendo em vista o bem comum”.

O papa São João Paulo II condenava o capitalismo neoliberal não era porque ele era comunista. Condenava porque ele era católico. O papa emérito Bento XVI condena o capitalismo neoliberal não era porque é comunista. Condenava porque ele é católico. O Papa Francisco condena o capitalismo neoliberal não é porque ele é comunista. Condena porque ele é católico, ele é cristão. Porque ele é o papa.

Os papas condenam o capitalismo neoliberal porque são papas. Do mesmo modo, todos os católicos que são norteamos pelo Catecismo da Igreja pastoreada pelos sucessores de Pedro. 

Desejo que esta esteja singela tentativa de construir pontes, realizar diálogos através desse singelo trabalho possa ter contribuído.

Que o PAI, por meio do seu FILHO encarnado-morto-ressuscitado, derrame o ESPÍRITO SANTO para restaurar a verdade, superar as discórdias, fazer crescer a unidade na diversidade e, a vivermos em paz para sua maior glória e bem da Esposa do seu Unigênito, Cristo Jesus. Amém.

Padre Fabio Potiguar Santos Capelão das Fronteiras, membro da Comissão de Justiça e Paz e coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter- religioso da Arquidiocese de Olinda e Recife


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