Por Marcelo Barros
Nesta semana a
ONU celebra seus 75 anos e lembra o 24 de outubro de 1945, quando foi criada. Nestes
dias, a humanidade recebe de presente a nova carta do papa Francisco sobre a
fraternidade universal e amizade social. Esta carta-encíclica é dirigida a toda
a humanidade e tem como objetivo provocar uma reflexão sobre a vida depois da
pandemia.
O papa afirma
que se sentiu motivado a escrever esta carta desde que, em fevereiro de 2019,
se encontrou com o grande Imã Ahmad Al- Tayyeb, uma das maiores autoridades do
Islamismo no mundo. Juntos, eles publicaram uma Declaração sobre a Paz e a
Fraternidade. Outro fator que apressou a
carta foi a inesperada ocorrência da pandemia. No primeiro capítulo da
encíclica, o papa lamenta que, salvo poucas exceções, nesta emergência
sanitária, a humanidade demonstrou total incapacidade de atuar conjuntamente. Na maioria dos países o desmantelamento do
sistema público de saúde foi responsável pela morte de muitas pessoas que teriam
sido salvas, se o mundo tivesse outra forma de organização (Cf. n. 35).
Nesta semana, a
Organização Mundial de Saúde publicou uma cifra que os meios de comunicação
evitam mostrar. Conforme os dados oficiais, os Estados Unidos, com toda a sua
riqueza, é o país no mundo com número maior de vítimas da Covid 19 (280 mil) e
o Brasil ultrapassou a marca de 150 mil. Ao mesmo tempo, a China que tem dois
bilhões e quatrocentos milhões de pessoas conta até agora cinco mil mortos. O
Vietnam com cem milhões de habitantes chora 35 mortes e Cuba, cuja população é
de 10 milhões, teve 153 vítimas fatais. Estes dados confirmam que, como o papa
escreve em sua encíclica: a sociedade atual perdeu
o sentido da História (n. 13), desenvolve
novas formas de colonização cultural (n. 14) e gera situações cruéis e inusitadas de escravidão (n. 24).
No capítulo 2:
“Um estranho no caminho”, o papa pede
permissão aos leitores não cristãos para comentar a parábola evangélica do
samaritano. Denuncia que a sociedade dominante exclui os diferentes e
transforma o próximo em sócio (n. 102). E reafirma: “a mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo
melhor para a humanidade” (n. 105). Convida todos os seres humanos a pensar
e atuar como parte da humanidade, com senso comunitário. Mostra que, para lutar
contra a pobreza, é preciso enfrentar suas causas estruturais. Declara que a
propriedade individual é legítima, mas o bem coletivo deve estar acima do
individual e toda propriedade deve ter uma função social (n. 116).
O capítulo V, “A melhor Política” mostra valores, mas
também os limites das visões liberais (163- 164). Propõe uma reforma profunda
da ONU que deve ampliar sua tarefa e se tornar família das nações ou verdadeira
comunidade internacional (173). Pede que se resgate a dignidade da Política com
P maiúsculo e que esta seja expressão do amor social (176- 177).
No capítulo 6
desenvolve uma pedagogia do Diálogo como forma de convivência e cita o nosso
Vinícius de Moraes ao dizer que “a vida é
a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida” (n. 215). O
papa cita Vinícius, no “Samba da Bênção”, canção na qual Vinícius se apresenta
como Capitão do Mato, pede a bênção à Mãe Menininha do Gantois e se apresenta
como sendo o branco mais negro do Brasil.
O capítulo 7 trata
de como tomar posição diante dos conflitos que são inevitáveis na vida. Defende
o perdão como perspectiva, mas deixa claro que o perdão não substitui a justiça,
nem supõe esquecimento (n. 246- 248). Condena a violência do Estado, sempre
muito mais forte e cruel do que qualquer violência de grupos particulares
(253). Rejeita radicalmente a guerra, a pena de morte e a prisão perpétua (n.
253). Pede que a humanidade constitua um Fundo Mundial para acabar com a Fome
(263). No último capítulo (o VIII) dedica-se a mostrar como as Religiões devem
se colocar a serviço da fraternidade no mundo. Deixa claro que “os textos religiosos clássicos de todas as
tradições podem oferecer um significado para todas as épocas (n. 275).
Insiste que as religiões devem se renovar
através de dois cuidados ou perspectivas: concentrar-se no essencial e voltar
às fontes da fé (n. 282).
Mais uma vez,
ao intensificar o diálogo com a humanidade na busca de saídas para a crise que
vivemos, o papa sofre ataques. Intensificam-se contra Francisco hostilidades e
oposições que, no passado recente, nenhum papa viveu. Os inimigos do papa vêm
de dois setores: daqueles que, como Steve Banon, têm fortes interesses
econômicos a salvaguardar e para isso usavam a religião e agora se sentem
deslegitimados pelo papa. No entanto, a oposição mais violenta vem de um grupo
de cardeais, bispos e padres da própria Igreja Católica. Estes se sentem
ameaçados em suas ambições eclesiásticas e suas necessidades de poder e
riqueza. Alguns afirmam claramente que esperam a mudança de papa para recolocar
a Igreja no seu devido lugar. Independentemente dos inimigos que querem a sua
morte, o papa continua a nos convidar: “Sonhemos
como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos
e filhas desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da
sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos e
irmãs” Encíclica Fratelli Tutti, n. 8).
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019. Email:
irmarcelobarros@uol.com.br
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