Marcelo Barros
A missão de todo ser humano consiste em cuidar uns dos outros e do planeta Terra, que Deus ou a Vida nos confiou. Em meio a esta pandemia, a humanidade pode perceber claramente de que lado estão as pessoas, se a favor da vida ou se a favor do lucro da elite que domina o mundo. Neste sábado 17, pelo you tube, um sarau reuniu mais de 50 apresentações artísticas, entre músicas, encenações teatrais, espetáculos de dança e recitação de poesias. Era o lançamento festivo da campanha pelas vacinas gratuitas para todos os vírus do mundo. Ali se pedia a ONU que declarasse as vacinas contra a Covid 19 bens comuns da humanidade. E a mensagem das músicas e de outras artes nos vacinava contra outros vírus, como os da indiferença social e do individualismo. Afinal, o Brasil voltou ao mapa da fome, com mais de 17 milhões de pessoas em situação de desemprego e mais de 50 milhões em insegurança alimentar.
No domingo 04
de outubro, o papa Francisco surpreendeu a humanidade com uma encíclica que
conclama todos/as a retomar a cultura da amizade social e da fraternidade
universal. Dois setores da sociedade reagiram forte e negativamente à encíclica
do papa. O primeiro setor foi a elite econômica, que se sentiu atacada quando o
papa responsabiliza o Capitalismo pelos maiores sofrimentos da humanidade. O
outro setor foi uma parte não pequena da hierarquia e do clero da própria
Igreja Católica que não compreende um papa que rompeu definitivamente a aliança
da Igreja com os poderosos do mundo que sempre a beneficiaram.
Cada ano, em
outubro, a Igreja Católica celebra o mês das missões. O tema deste ano de 2020
foi escolhido muito antes da pandemia que nos surpreendeu. No entanto, parece
ter sido escolhido em função do momento que vivemos: “A vida é missão” e o lema que o desenvolve é a palavra do profeta: “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8).
Ainda hoje, há
cristãos que confundem missão com proselitismo e entendem de forma
fundamentalista o mandado de Jesus: “Ide
por todo o mundo e pregai o evangelho a todas as nações” (Mt 28, 19). O
próprio Novo Testamento revela que os apóstolos e discípulos não compreenderam
estas palavras ao pé da letra. Eles não saíram pelo mundo afora para anunciar a
boa notícia do reino. De fato, Paulo e seus companheiros fizeram viagens pelas
cidades do Império Romano até à Europa. Entretanto, eles iam às sinagogas e fortaleciam
grupos de discípulos de Jesus dentro do Judaísmo. Nem Paulo nem outros
discípulos pediram aos judeus que deixassem sua religião. Nem exigiram dos
gregos abandonarem sua cultura. Por isso, ele pode dizer: “eu me fiz judeu com os judeus e grego com os gregos” (1 Cor 9, 20).
A mensagem de Paulo é que todas as pessoas, independentemente de sua cultura e
religião, podem aceitar a proposta divina. O “reinado divino” vem ao mundo para
todos. Somente mais tarde, nos anos 80, a sinagoga não aceitou mais os cristãos
como membros da comunidade judaica. Então, o Cristianismo se separou do
Judaísmo e se tornou religião autônoma.
Agora, na sua
carta sobre a fraternidade universal, o papa Francisco pede a todas as
religiões que, independentemente, de suas diferenças, se ponham a serviço da
unidade de toda a família humana. Conforme os evangelhos, uma vez, discípulos
contaram a Jesus que tinham encontrado alguém que expulsava o mal das pessoas.
Eles tinham proibido porque aquela pessoa não pertencia ao grupo deles. Jesus
os repreendeu dizendo: “Não façam isso.
Quem não está contra nós é porque está do nosso lado” (Cf. Lc 9, 49- 50).
Neste mundo
pluralista, é fundamental que as Igrejas recuperem esta abertura de coração.
Devem ser comunidades de diálogo e acolhida do outro e nunca de intransigência
e rejeição. Não há separação entre a missão das Igrejas e a missão de todas as
organizações sociais que trabalham pela paz, justiça e união da humanidade. Homens
como o papa João XXIII, Dom Helder Câmara e o pastor Martin-Luther King
compreenderam profundamente isso. Foram profetas que transformaram o mundo e
fizeram isso como poetas sensíveis e encantados com a humanidade.
No dia 11 de
outubro de 1962, depois de um dia inteiro de trabalho no qual tinha inaugurado
o Concílio Vaticano II com todos os bispos católicos em Roma, o papa João XXIII
soube pelo seu secretário que a praça de São Pedro estava cheia de povo. Todos,
com velas nas mãos, pediam para ver o papa. Este apareceu na janela, saudou a
multidão e disse: “Olhem a lua cheia. Ela
veio embelezar a nossa festa. Voltem para casa e dêem um abraço ou façam um
gesto de carinho em nome do papa na primeira pessoa que vocês reencontrarem em
casa. Digam que o papa lhes manda este gesto de amor”. Isso continua a ser o
núcleo central da missão de todas as pessoas espirituais.
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