Frei Betto
Esse
reconhecimento de Francisco, contudo, não muda a doutrina da Igreja Católica.
Ela continua a não abençoar sacramentalmente uniões homoafetivas. O que é óbvia
contradição, em especial por proclamar, doutrinariamente, que o valor supremo
entre um casal não são os direitos decorrentes da união, e sim o amor que
suscita e alimenta a relação.
Quem
diria? O noticiário alardeia que o papa Francisco aprova a união civil de
casais gays! Ora, faz tempo que Francisco assume tal posicionamento. Em 2014,
em entrevista ao jornal italiano “Corriere dela Sera”, ele reconheceu que as
leis estatais de união civil foram aprovadas principalmente para fornecer
direitos legais aos parceiros do mesmo sexo.
Em
2017, em entrevista ao escritor francês Dominique Wolton, ao ser questionado
sobre a possibilidade de casamento de casais do mesmo sexo, reagiu: “Chamemos
isso de ‘união civil’. Nós não brincamos com a verdade”.
Quando
cardeal em Buenos Aires, Bergoglio exortou os bispos argentinos a apoiarem as
uniões civis. Teve papel de destaque em 2010, quando o governo argentino
avaliava se permitiria o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Agora,
reafirmou sua posição no documentário “Francisco”, sobre os seus sete anos de
pontificado, dirigido por Evgeny Afineevsky e estreado em Roma em 21/10. Ele
afirma que gays são “filhos de Deus” e “têm direito a uma família”. E
acrescenta que as leis de união civil protegem os direitos legais das pessoas
que mantêm relacionamentos homoafetivos.
O
tema surge no filme quando aparece o depoimento de Andrea Rubera, homossexual
italiano que participa de missas na casa Santa Marta, no Vaticano, onde mora o
papa. Rubera conta ter entregado a Francisco uma carta, na qual ele e seu
parceiro manifestam receio de levar os filhos à igreja, com medo de serem
rejeitados por terem pais gays. O papa telefonou a Rubera e o encorajou a
fazê-lo e, inclusive, conversar com o pároco a respeito da união deles.
Chris
Vella, da Rede Global de Católicos Arco-Íris (GNRC, sigla em inglês), que
representa mais de quarenta organizações dos cinco continentes,
declarou ao receber a notícia do posicionamento do papa: “Como homem casado, em
casamento civil do mesmo sexo desde 2018, olho com esperança para um futuro em
que a Igreja não apenas reconheça as uniões civis para casais do mesmo
sexo, mas também celebre seus relacionamentos como sinais sagrados e
sacramentais do amor como presença manifesta de Deus no mundo.
A Igreja deve celebrar nossa fidelidade, compromisso, perseverança e
fecundidade tanto quanto celebra essas qualidades para as uniões
heterossexuais”.
Esse
reconhecimento de Francisco, contudo, não muda a doutrina da Igreja Católica.
Ela continua a não abençoar sacramentalmente uniões homoafetivas. O que é óbvia
contradição, em especial por proclamar, doutrinariamente, que o valor supremo
entre um casal não são os direitos decorrentes da união, e sim o amor que
suscita e alimenta a relação.
Ainda
levará um tempo para a Igreja adequar seu duplo discurso, o para fora e o para
dentro da instituição. Padres e bispos não podem fazer casamento religioso de
gays, mas são cada vez mais frequentes as bênçãos a esses casais, ainda que não
tenham seu matrimônio registrado na paróquia. Para fora, a Igreja defende que
todos os direitos da mulher devem ser assegurados e toda discriminação de
gênero, combatida. Para dentro, as mulheres continuam impedidas de acesso ao
sacerdócio, ao episcopado e ao papado. O machismo, o patriarcalismo e a
misoginia prevalecem.
A
manifestação do papa, porém, traz importante contribuição para o Brasil: agora
fica muito mais difícil para o Judiciário aprovar a obsessão bolsonarista de
descriminalizar a homofobia.
Frei Betto é
escritor, autor de “Sexo, orientação sexual e ‘ideologia de gênero’”, entre
outros livros. Livraria Virtual: freibetto.org
Frei
Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá
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