Maria Clara Lucchetti Bingemer
Guiados por uma
estrela no céu do Oriente, Belchior, Gaspar e Baltazar — os três reis magos —
visitam o recém-nascido Jesus Cristo e sua mãe, Maria, em Belém, trazendo como
presentes ouro, incenso e mirra. O acontecimento, narrado na Bíblia no
evangelho de Mateus, é celebrado no dia 6 de janeiro, ainda hoje conhecido como
o Dia de Reis, ou festa da Epifania, termo em grego que significa
“manifestação”, que seria a revelação de Jesus Cristo - o Messias desejado e
esperado - ao mundo.
Na Antiguidade, o
Natal e a Festa da Epifania eram uma coisa só. No século IV, com Constantino, o
Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, e as comemorações
do nascimento de Cristo se uniram às festas pagãs que reverenciavam o solstício
de inverno.
No solstício de
inverno, a Terra mergulha nas trevas e tem seu dia mais curto. É nesse dia que
o planeta começa a reemergir em direção ao Sol. Esse culto que os romanos
celebravam, portanto, como a festa do Sol Invicto, será incorporado pelo
Cristianismo que identifica Cristo como esse Sol que brilha e nunca se apaga. O
que seria o Natal foi assim conectado à festa pagã, ressignificada por aquela
que era agora a religião oficial do Império.
A Festa da
Epifania, nesse contexto, ficou conectada à figura dos três reis magos que
seguem uma estrela vinda do Oriente, de onde se acreditava que viria a
salvação. Eles trazem presentes para o Menino e são cada um de uma latitude
diferente, de uma raça diferente… A epifania, portanto, representa a
manifestação de Cristo a todas as nações.
A Epifania do
Senhor é uma festa religiosa do Catolicismo, comemorada dois domingos após o
Natal. Além da visita dos magos, há nas narrativas evangélicas outros dois
eventos com características epifânicas: a Epifania por ocasião do batismo que
João Batista realiza em Jesus no rio Jordão; e a ocasião em que Jesus se torna
conhecido como Messias/Cristo, por ocasião do milagre das festas de bodas de
Caná. Com isso, o Novo Testamento quer significar que a vida cristã, no
seguimento de Jesus, está a todo momento divinamente “ameaçada” pelo
extraordinário dentro da trama ordinária da vida cotidiana.
Neste
sentido, a vida de fé é um entrelaçamento da epifania com a diafania. Por
um lado, existem marcos inesquecíveis em nossa vida de todos os dias que nos
fazem dar saltos qualitativos em termos de conhecimento interior e abertura ao
mistério. Por outro, na medida em que caminhamos e amadurecemos, vamos
percebendo que toda a realidade está permeada por essa luz que sentimos
poderosamente em alguns determinados instantes. Essa transparência,
luminosidade fundamental e global, é o que se denomina diafania.
O desafio maior é saber captar a presença de Deus em toda parte. Para isso, é
necessária uma educação do olhar, de forma a vislumbrar a diafania de Deus, sua
“universal transparência” na criação e na história. O ser humano, como diz
Teilhard de Chardin, já está sempre inserido no Meio Divino. O que é necessário
é dar-se conta disso, abrir os olhos para perceber essa sua imersão permanente
no Mistério.
No entanto, o que
se manifesta epifanicamente é o que já está inscrito como desejo no fundo de nós
mesmos. Ao acontecer a epifania, podemos reconhecê-la. Assim quando
passa o momento de maior fulgor e intensidade, podemos reconhecer na espessura
e aparente banalidade do cotidiano a dimensão diáfana da revelação constante
daquilo que é o mais profundo de nós mesmos: vida plena, amor, solidariedade,
laços comunitários profundos, afeto e coragem para lutar por um mundo melhor
para todos e um futuro bom para o planeta.
Tomara que neste
ano de 2022 que ora iniciamos, os Magos nos tragam este presente: saber estar
abertos humildemente para as Epifanias que possam acontecer em nossas
vidas. Mas ao mesmo tempo exercitar-nos e buscar a diafania que se
encontra permanentemente oferecida a nossos sentidos pelo simples fato de
estarmos vivos.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento
de Teologia da PUC-Rio e autora de Teologia Latino-Americana: raízes e
ramos, entre outros livros.
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