Comunidade que Sustenta a Agricultura
O Estado brasileiro sempre esteve a serviço das elites. Para o povo,
quando muito, sobra “bolsa” ou “auxílio”. E até isso incomoda nossa elite que
sempre atribui as crises econômicas aos direitos trabalhistas e às políticas
sociais: endivida o país, impede o crescimento… E sempre retorna com a mesma receita:
acabar com os direitos trabalhistas, reformar a previdência, diminuir os gastos
sociais… E as consequências são sempre as mesmas: precarização do trabalho,
crescimento da pobreza e da miséria… Estamos vivendo mais um capítulo trágico
dessa novela. Com o desmonte dos direitos trabalhistas e das minguadas
políticas sociais, cresce assustadoramente os índices de pobreza e miséria no
país. Dados oficiais do governo federal indicam que mais de 23% da população
brasileira (cerca de 52 milhões de pessoas) vive em situação de pobreza ou de
extrema pobreza. No Nordeste, mais de 40% da população vive nessa situação.
Mas é importante ver como o povo resiste criativamente, construindo
alternativas de sobrevivência no campo e na cidade. Alternativas que, além de
possibilitar seu sustento (“pão nosso de cada dia”), resgatam o verdadeiro
sentido da economia (satisfação das necessidades materiais) e indicam caminhos
de transformação da sociedade (economia a serviço da vida). São alternativas
vividas de forma individual, familiar, comunitária, associativa. Elas existem
em todos os cantos desse país. Basta pensar na agricultura familiar camponesa,
no trabalho de catadores/as de material reciclável e nas mais diversas formas
de produção, comércio e serviço nos centros urbanos.
Exemplo disso é o projeto “Meu quintal em sua cesta”, uma experiência de
Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), desenvolvido por famílias
camponesas da Chapada do Apodi, no município de Tabuleiro do Norte – CE (às
quais se juntaram famílias de outros territórios). Trata-se de uma experiência
de comercialização direta de produção agroecológica entre agricultores/as
(produtores-abastecedores) e co- agricultores/as (consumidores-sustentadores).
Desde 2016, a Caritas Diocesana de Limoeiro do Norte vem atuando junto a
famílias camponesas nessa região em torno da problemática terra-água-produção.
Foram implantadas 35 unidades de Sistema Bioágua Familiar (tecnologia
de reuso de água: trata as águas cinzas e potencializa a produção de alimentos)
em quintais com cerca de 300 metros quadrados. As famílias começaram a
organizar feiras agroecológicas no território e a monitorar a produção. Em
2020, elas produziram em torno de 6,5 mil kg de alimentos, quase 6 mil kg de
forragem e quase 500 kg de húmus de minhoca.
Com o início da pandemia, impossibilitando a realização das feiras
agroecológicas, mas animadas com os resultados da experiência, as famílias
deram mais um passo na organização e começaram o Projeto “Meu quintal em sua
cesta” – Comunidade que Sustenta a Agricultura. Elas reúnem a produção (cada
uma leva o que tem para comercializar), organizam cestas e vendem coletivamente
aos co-agricultores (que não apenas compram/consomem produtos agroecológicos,
mas colaboram com a agricultura familiar camponesa). O projeto começou no dia
19 de março de 2021 – dia de São José. Envolve 13 famílias de agricultores/as e
30 co-agricultores/as. Entre março e dezembro de 2021, comercializou 76
produtos, que varia de hortaliças e legumes (2.317,80 kg), a frutas (2.063,25
kg), alimentos processados (2.040 unidades), carnes (1.085,52 kg) e adubos
orgânicos (339 kg), gerando uma receita de mais de 33 mil reais.
As dificuldades vão do acesso à terra e à água (até para o consumo!),
embora a Chapada tenha as melhores terras e esteja em cima dos Aquíferos
Jandaíra e Açu, à ausência de políticas públicas de incentivo e desenvolvimento
da agricultura familiar camponesa. E a chegada de uma grande empresa do
agronegócio, viabilizada por um programa do governo do Estado do Ceará para
retomada da cotonicultura (produção de algodão), ameaça seriamente o
território. Ela já adquiriu mais de 24 mil hectares, têm perfurado poços,
utilizado veneno e desmatado grandes áreas, até com o uso do correntão, prática
ilegal conforme o Código Florestal.
Mas as famílias estão animadas. Além do impacto positivo na renda
familiar, o projeto tem mobilizado as comunidades na luta por água e na defesa
de seu território e tem desenvolvido, em pequena escala, um modelo de economia
agroecológica que promove o sustento das famílias e o potencial econômico da
região, fortalece os vínculos familiares e comunitários, produz alimentos
saudáveis, respeita e conserva o meio ambiente. E isso num município em que 38%
de sua população vive em situação de pobreza e/ou extrema pobreza.
Viva
a agricultura familiar camponesa!
Francisco Junior Aquino é Presbítero da Diocese de Limoeiro
do Norte – CE; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e
da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
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