Marcelo Barro
s
Em
meio ao terrível sofrimento provocado por nova explosão de contaminações pela
Covid e a epidemia de influenza (gripe), ao menos contamos com vacinas que, de
fato, se revelam eficazes. Lutamos para que a ONU proclame as vacinas contra
vírus como bens comuns da humanidade. É preciso denunciar como iniquidade o
fato de indústrias da saúde triplicarem os seus lucros a partir da dor e das
doenças da imensa maioria da humanidade. Parece que, para não mudar essa
realidade cruel e desumana, a elite que multiplica sua riqueza a partir da
desgraça da multidão usa como arma eficiente os vírus da intolerância. No mundo
inteiro, há um surto de intolerância e discriminação contra grupos culturais e
religiosos diferentes da cultura dominante.
No
Brasil, a cada dia e por horas e horas, os canais de rádio e televisão
transmitem cultos e pregações do Cristianismo ritual, alienado e alienante, seja
católico, seja evangélico, ou pentecostal. É claro que há um público de pessoas
idosas que tem o direito de terem em casa suas missas tradicionais, ou cultos
de suas Igrejas. No entanto, ao mesmo tempo que os canais se abrem para esse
tipo de expressões cultuais não permitem
nem aceitam comunicar nada que, mesmo no âmbito de celebrações católicas ou
evangélicas, sejam de conteúdo mais
profético e crítico. E mantêm um muro de censura e silêncio cúmplice sobre a
violência cotidiana que sofrem grupos religiosos minoritários, principalmente,
comunidades das religiões afro-brasileiras, a cada dia, vítimas de ataques e
perseguições. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto
para todas as religiões, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais
se prega a intolerância e se combatem os cultos afro. Esses atos de violência
religiosa não são praticados por ateus dogmáticos, contrários à religião. São
cometidos por grupos que se dizem cristãos e agem em nome de Deus. Apoiam-se em
uma leitura ao pé da letra e fanática de certos textos bíblicos para justificar
uma imagem de Deus cruel, violento e intolerante.
No
Brasil, a cada ano, apesar do atual governo federal que promove o ódio e a
violência, o 21 de janeiro é comemorado como “o dia nacional de combate à
intolerância religiosa”. Essa data foi criada pelo presidente Lula, através da
lei federal n. 11.635 de 27 de dezembro de 2007. Ao escolher esse dia, se quis
homenagear a Mãe Gilda, Ialorixá do Axé Abassá de Ogum, em Salvador. Ela
faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, vítima de perseguição e ataque de um
grupo neopentecostal fundamentalista que invadiu o templo do Candomblé,
desrespeitou os símbolos sagrados ali representados e ofendeu gravemente a mãe
de santo.
Ainda
bem que, até aqui, esses grupos pentecostais e católicos de linha carismática não
descobriram ainda que os mesmos livros da Bíblia que mandam perseguir e
destruir cultos de religiões estrangeiras,
ordenam também apedrejar mulheres adúlteras, pessoas que transem com
animais ou simplesmente que não respeitem o sábado. O que farão esses cristãos,
quando descobrirem que as mesmas leis bíblicas que condenam outros cultos,
permitem a escravidão de estrangeiros e mandam vender pessoas como escravas,
para saldar dívidas não pagas? Será que, em pleno século XXI, essas pessoas que
querem cumprir a Bíblia ao pé da letra passarão a praticar essas leis culturais
da Ásia antiga?
Em
outras épocas, quase todas as Igrejas históricas condenaram hereges à morte. Queimaram
na fogueira mulheres consideradas feiticeiras ou bruxas e pessoas que
praticassem formas de sexo não aprovadas pela Igreja. Durante séculos, a Igreja
Católica se proclamou como a única religião verdadeira e sistematicamente
combatia as outras. Somente há 50 anos, em 1965, ao concluir o Concílio
Vaticano II que, em Roma, reuniu todos os bispos do mundo, a Igreja Católica
publicou a declaração Nostra Aetate,
que reconhece o valor das outras religiões e incentiva os fieis a valorizar o
diferente e praticar o diálogo. Da parte das outras Igrejas, em 1961, o
Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões evangélicas e
ortodoxas, em sua assembleia geral em Nova Dehli, pediu às Igrejas-membros uma
atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras
tradições religiosas.
No
mundo atual, a diversidade cultural e religiosa faz com que os diferentes
caminhos espirituais possam se complementar e se enriquecer mutuamente. Faz com
que cada grupo reconheça os elementos de verdade que existem em outros
grupos e se abram ao que Deus revela a
cada um, não somente a partir da sua própria tradição, mas também através dos
outros caminhos religiosos.
Nas
últimas décadas, em diálogo com a humanidade, muitos cristãos descobriram como
critério da fé o que apóstolo Paulo escreveu ao grupo de Corinto: “Deus nos fez servidores de uma nova aliança,
não da letra da lei, mas do espírito, porque a letra mata e o espírito é quem
faz viver” (2 Cor 3, 6). Do mesmo
modo, a imagem que Jesus transmite de Deus é a de um paizinho carinhoso que
“faz nascer o sol sobre os bons, mas também sobre os maus e faz chover sobre
quem é justo e quem é injusto” (Mt 5, 45).
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