Por Marcelo Barros
Passar do
confronto à comunhão é a proposta-título do documento preparado por uma
comissão de católicos e luteranos para celebrar os 500 anos da Reforma. Segundo
a tradição, em outubro de 1517, o monge Martinho Lutero pregou suas teses na
porta de uma igreja da Alemanha e começou o movimento que culminou com a
fundação das Igrejas protestantes. Agora, ao celebrar os 500 anos desse
acontecimento, católicos e evangélicos procuram compreender suas consequências
históricas. Dialogam sobre os pontos sobre os quais não existe mais divisão e
outros elementos sobre os quais ainda há muito a trabalhar.
Há alguns
dias, pela primeira vez na história, o papa Francisco reuniu no Vaticano
estudiosos da História, católicos e evangélicos para estudar a Reforma. O
encontro abordava a história da Reforma e também a sua herança atual para todos
os cristãos. No final de semana seguinte (07 a 09 de abril), em Campina Grande,
diversas instituições promoveram um encontro ecumênico com a mesma finalidade:
ver juntos a realidade e descobrir 500 anos depois da reforma, o que nos une e
também o que ainda nos separa.
Atualmente,
vivemos tempos radicalmente diferentes da época em que Lutero denunciou os
abusos do clero e do papado. Hoje ainda, alguns setores da instituição
eclesiástica escondem erros e pecados. No entanto, não se podem mais
justificá-los com a autoridade divina. A Igreja Católica não legitima esses
erros com doutrinas alheias ao evangelho, nem persegue as pessoas que os
denunciam. Além desses fatores religiosos, a reforma de Lutero teve
condicionantes culturais importantes. Desde o século XIV, o Renascimento dava
aos intelectuais uma autoridade na leitura dos textos antigos como nunca havia
ocorrido antes. E, no plano político, a soberania do papa e o poder do
Imperador Carlos V começavam a ser postos em questão pelos príncipes alemães.
Esses encontraram em Lutero uma boa razão para invocar a independência de Roma.
Com o
Concílio Vaticano II que, de 1962 a 1965, reuniu em Roma todos os bispos
católicos para levar adiante a renovação da Igreja, a Igreja Católica aderiu ao
movimento pela unidade dos cristãos. O papa Paulo VI pediu perdão aos irmãos de
outras Igrejas pela parte de culpa que a Igreja Católica teve na divisão. E o
Concílio reconheceu como verdadeiros muitos pontos defendidos por Lutero no
século XVI e que na época foram condenados pelos papas. Até os anos 60, só os
protestantes tinham contato direto com a Bíblia. Hoje, no mundo inteiro, tanto
na Igreja Católica, como nas Igrejas evangélicas, o movimento mais importante é
a renovação dos estudos bíblicos que atingem todos os fieis e já não distinguem
se os estudiosos são dessa ou daquela confissão. Desde então, a prioridade da
Bíblia como única fonte de fé, o reconhecimento do sacerdócio real de todas as
pessoas batizadas e a convicção de que Jesus Cristo é o único salvador são
pontos da fé cristã defendidos por todas as Igrejas. No entanto, no plano
institucional, elas continuam separadas. Em 1999, a Igreja Católica Romana e a
Federação Luterana Mundial assinaram um acordo sobre a Justificação pela Fé,
principal ponto que dividia as Igrejas. Alguém
podia pensar que não havendo mais nenhum motivo profundo de divisão, as Igrejas
pudessem ter encontrado sua unidade. Isso não ocorreu e ninguém nega que ainda
existem elementos que mantêm a divisão.
No
Vaticano, desde o começo do seu ministério como bispo de Roma, o papa Francisco
gosta de insistir em um princípio medieval que Lutero retomou em seu tempo: A Igreja
Cristã deve se reformar permanentemente. Assim, a comemoração dos 500 anos da
reforma de Lutero terá um efeito mais atual se todas as Igrejas se derem conta
de que, hoje, precisam urgentemente de outra reforma. Não se trata de romper com
a tradição. O objetivo é expressar a proposta do evangelho em termos atuais, de
modo que as novas gerações possam compreender e amar. Afinal, os cristãos creem
em um Deus, cuja última palavra na Bíblia foi: "Faço novas todas as
coisas" (Ap 21, 5- 7).
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das
comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador
latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do
Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros
países.
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