Por Marcelo Barros
"O tempo de nossa libertação" é o modo como, até hoje, as
comunidades judaicas chamam a semana da Páscoa. Para quem crê, a celebração
anual da Páscoa não é uma comemoração apenas religiosa de acontecimentos
antigos, narrados na Bíblia. É uma experiência atual e comprometedora.
A Páscoa é uma festa comum a duas religiões: o Judaísmo e o
Cristianismo. Sua origem está nas danças e passos que se faziam para
comemorar a chegada da primavera. O nome "páscoa" significa salto ou
passo de dança. Na primavera, a natureza dá um salto de reflorescimento e de
vida. Foi durante uma festa de Páscoa, quando a natureza se renovava, que Deus
quis libertar o povo hebreu da escravidão e assim, apontar para toda a
humanidade que todo ser humano é chamado a ser livre e feliz. Celebrar a Páscoa
é reconhecer essa vocação humana à liberdade e assumir o compromisso de lutar
por isso.
Até hoje, a cada ano, as comunidades judaicas celebram a Páscoa como
memorial da libertação que deu origem ao povo de Israel. A cada ano, ao
participarem da festa, as pessoas são convidadas a fazer parte da ação divina
que continua nos libertando. No Judaísmo, essa festa é celebrada principalmente
por uma ceia que reúne as comunidades ou famílias para lembrar a história do
Êxodo e se sentir participando do mesmo ato libertador de Deus. Nesses dias da
Páscoa, em todas as casas judaicas, as pessoas jogam fora qualquer sinal de
fermento. Assim, querem assumir o compromisso de evitar as aparências e as
ambiguidades nas relações e no modo de ser de cada um. Na carta aos coríntios,
Paulo nos convida a jogar fora o fermento da hipocrisia e da falsidade e sermos
como pães sem fermento, m assa pura de verdade.
Para os cristãos, foi durante uma festa de Páscoa que Jesus foi em
peregrinação a Jerusalém. Ali, foi preso e condenado à morte pelo poder
político romano e pelo poder religioso. Conforme os evangelhos, Deus o
ressuscitou e lhe deu uma vida nova. É para renovar em nós essa vida
ressuscitada do Cristo que as antigas Igrejas cristãs nos convidam a, cada ano,
celebrar a Páscoa. Creem que Deus - ao libertar antigamente os hebreus do
Egito e ao ressuscitar Jesus, pelo seu Espírito - renova a nossa vida a de todo
o universo.
No decorrer dos séculos, principalmente na Idade Média, no Ocidente, a
lembrança dos sofrimentos, paixão e morte de Jesus tomou uma importância maior
do que a festa da Páscoa. Até hoje, o povo simples dá muita importância à
procissão do Senhor Morto. Há pouco mais de 50 anos, o Concílio Vaticano II,
que reuniu em Roma todos os bispos católicos, decidiu restaurar a importância
da celebração pascal. O padre José Comblin, teólogo e grande mestre da Igreja
no Brasil, ensinava que o acontecimento teológico mais importante de todo o
século XX foi a restauração da celebração pascal como centro da vida da Igreja.
Desde então, no mundo todo, as Igrejas voltaram a celebrar a Vigília Pascal,
festa de luz e de renovação do batismo que ilumina de modo especial a noite do
sábado ou a madrugada do domingo da Ressurreição.
No século IV, Santo Agostinho chama a Vigília Pascal, "mãe de
todas as vigílias da Igreja". Nos tempos antigos, um cristão que não
celebrasse a Vigília Pascal teria dificuldade de ser reconhecido como cristão.
É claro que a pessoa é discípula de Jesus não por celebrar um rito e sim por
assumir a causa de Jesus e viver de acordo com ele. No entanto, o seguimento de
Jesus só pode ser vivido comunitariamente. A celebração pascal é o sinal dessa
disposição de viver em comum a vida nova do evangelho. Hoje, seria bom que as
comunidades pudessem retomar com liberdade e criatividade essa festa. A Vigília
Pascal pode ser sinal do nosso compromisso de viver a fé como força para
enfrentar as dificuldades da vida, luz para clarear as nossas opçõe s de vida e
esperança para prosseguir a luta pacífica por um mundo mais justo e solidário.
Nessa vigília, se torna verdade o que as comunidades cantam com a palavra do
salmo 139: "Mesmo as trevas não são trevas para ti. A noite é luminosa
como o dia".
Em metade do Brasil, principalmente no sertão do Nordeste, essas festas
pascais coincidem com a volta da chuva. Em vários estados, a seca já avança por
mais de cinco anos consecutivos. Deus queira que nessa Páscoa, venha a chuva
benfazeja e as comunidades possam cantar um hino medieval, adaptado pelo amigo
Reginaldo Veloso:
"O Cristo ressuscitou,
o sertão se abriu em flor.
Da pedra, água saiu,
era noite e o sol surgiu, aleluia!”
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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