Marcelo Barros
No dia 07 de fevereiro, as
comunidades e movimentos sociais do sul do Brasil lembram a memória de Sepé
Tiaraju, cacique guarani que deu a vida na luta do seu povo contra os exércitos
de Portugal e Espanha. Fazer essa memória nos leva `a solidariedade aos povos
indígenas atuais, ameaçados em sua sobrevivência.
No
Brasil, governo federal e a elite do agronegócio e das mineradoras abriram
temporada de caça aos povos indígenas. Na Inglaterra, a revista The Lancet (09/ 08/ 2019), afirma que,
no Brasil, depois da promulgação da Constituição de 1988, o atual governo representa a pior ameaça à
sobrevivência dos povos indígenas. De fato, nesse primeiro mês de 2020, já se
contam mais de dez ataques a comunidades indígenas, sete lideranças
assassinadas e mais de dez índios feridos à bala, inclusive crianças.
Atualmente, no Brasil, temos mais de um milhão
de índios. Os povos indígenas são professores de resistência. Sobrevivem a mais
de cinco séculos de perseguição e genocídio, com dignidade e força espiritual.
A
cada ano, no começo de fevereiro, as comunidades do sul lembram o martírio do
cacique Sepé Tiaraju, líder Guarani, que, no século XVIII, comandou o seu povo
contra os exércitos de Portugal e Espanha. A história conta que, até 1756, toda a região
compreendida pelos atuais estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
pertencia à Espanha. Ali os jesuítas acolhiam os índios Guarani para impedir
que fossem caçados e escravizados pelos brancos. Os jesuítas batizavam os
índios para torna-los cidadãos do império e assim protegê-los da escravidão.
Ali viviam mais de um milhão de índios. As missões eram colonialistas porque obrigavam
os índios a viverem como cristãos. Entretanto, apesar disso, nas aldeias dos
sete povos, os índios reproduziam muito de sua cultura. Falavam seu idioma
nativo e desenvolviam artes como arquitetura e música. O poder era exercido
comunitariamente. Voltaire, intelectual francês, inimigo jurado da Igreja e
principalmente dos jesuítas, escreveu: “A
experiência das missões Guarani representa um verdadeiro triunfo da humanidade.
É uma das mais belas experiências sociais já realizadas” (Cf. C. Lugon, A República cristã comunista dos Guaranis,
Paz e Terra, 1968).
A
experiência comunitária dos Sete Povos da Missão era uma ameaça para a ambição
dos impérios europeus. Por isso, os reis de Portugal e Espanha se aliaram e
assinaram o Tratado de Madri (1750). Através desse acordo, Portugal deu de
presente à Espanha a Colônia do Sacramento, atual Uruguai e recebeu do rei
espanhol o território dos Sete Povos da Missão. Ali, as aldeias eram construídas
como verdadeiras cidades, com Igreja, praça, padaria, salão de música e escola.
O tratado entre os dois reis exigia que os jesuítas fossem expulsos da região e
as aldeias destruídas. Os índios se negaram a abandonar suas terras, suas
lavouras e um gado estimado em dois milhões de cabeça. Sepé Tiaraju comandou a
resistência dos índios contra os dois exércitos imperiais reunidos e tombou em
combate no dia 07 de fevereiro de 1756 em Batovi, hoje São Gabriel (RS). Três
dias depois, os exércitos de Portugal e Espanha trucidaram os últimos índios. Obrigaram
crianças e mulheres sobreviventes a atravessar o rio Uruguai e a se dispersar
pelas florestas e campos sem fim.
Apesar de que os acontecimentos da
vida de Sepé Tiaraju e das missões remontam ao século XVIII, alguns fatos atuais
parecem lembrar aquela tragédia. Ainda
hoje, a maioria dos povos indígenas no Brasil não tem garantida a demarcação de
suas terras e o respeito à autonomia de suas culturas. O agronegócio, projetos
de hidroelétricas e estradas invadem os territórios indígenas e causam grandes
prejuízos à natureza. Ameaçam a própria existência dos povos indígenas, em todo
o Brasil. Nesse contexto, retomar a memória de São Sepé Tiaraju deve nos levar
a nos solidarizar aos povos indígenas de hoje que resistem ao atual sistema
colonial, tão cruel e assassino quanto o dos tempos antigos. Quem vive a
solidariedade como caminho espiritual descobre nos povos indígenas uma espiritualidade
ecológica, necessária a toda humanidade.
MARCELO
BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias
da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email:
contato@marcelobarros.com
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