Por Marcelo Barros
“Ninguém larga a mão
de ninguém” se tornou palavra de ordem nos grupos e movimentos sociais
diante da demência assassina que, em nosso país, se tornou forma de governo. A
decisão de estar juntos pode ser como caminhada de companheiros na mesma luta,
mas pode também ser mais profunda, ao tomar a expressão de aliança de amizade.
A amizade afetuosa é gratuita e tem em si mesma sua razão de ser. No entanto,
em uma sociedade marcada pelo desvínculo e por uma cultura que torna as pessoas
imunes umas às outras, a amizade se torna também projeto sócio-político que
aponta para outra forma de viver em sociedade.
Em muitos países, o 14 de fevereiro é um dia importante para
as pessoas apaixonadas e para os amigos. O motivo é que, nesse dia, no calendário
católico, se faz memória de São Valentim. Uma lenda antiga fala de um cristão
chamado Valentim que se entregou aos guardas do imperador para ser preso e
morto no lugar de um amigo, denunciado como cristão. Há alguns anos, a ONU
considera o 14 de fevereiro como "o
dia da amizade".
No mundo atual, fala-se muito de amor. No entanto, muitas
canções, telenovelas e filmes ressaltam mais impulsos egoístas de posse do
outro do que uma peregrinação de amor que conduz a pessoa ao coração da outra. E
quando, nessas obras comerciais, o amor chega a ser mostrado, é de um modo idealizado,
irreal e longínquo de nós, pobres mortais, envolvidos em uma realidade de vida bem
mais complexa.
Atualmente, o desafio das pessoas e grupos comprometidos com
a vida é unir as pontas de uma realidade que, embora complexa, é uma só. O
presidente Hugo Chávez afirmava que a política se não se concretizar em ato de
amor se torna inútil e contraproducente. Assim, nesses dias difíceis que
atravessamos, em um Brasil incendiado por ondas de violência e de ódio,
qualquer brisa de amor refrigera e toda forma de carinho vale a pena.
Embora tenha muitas expressões diversas (amor de mãe, de
esposos, de amizade ou de irmãos), o amor é um só. Todas as formas têm o mesmo DNA.
Vêm todos da mesma fonte. Há uma inteligência amorosa, presente no universo e
atuante nas pessoas e em todo ser vivo. As religiões e tradições espirituais a chamam
de Deus. A tradição judaica ensina que ao criar o mundo, a luz divina se
espalhou como chamas de amor por todo o universo. Então, ao receberem essas
faíscas do Amor maior, fonte de todo amor, todos os seres vivos foram
divinizados. Entre eles, cada ser humano é chamado a cultivar e desenvolver em
si mesmo e nos outros essa chama para que ela não se apague. As relações
familiares, a participação comunitária e os relacionamentos de amizade e de
amor conjugal são instrumentos para a realização plena dessa vocação para o
amor.
O amor de amizade é aberto, mais gratuito e incondicional. Por
isso, místicos de diferentes religiões o consideram o sinal por excelência do
amor divino no mundo. Amar é nossa vocação.
Todas as formas de amor são assumidas pelo Espírito Divino
que se manifesta em todo e qualquer amor humano. No entanto, o Espírito de Amor
nos chama a sermos cada vez capazes de um amor gratuito e mais generoso.
Trata-se de amar até quem não ama, de levar amor onde não há amor, de modo
incondicional e sem limites. Esse amor de doação total pode conter em si a
dimensão erótica. Pode também assumir a expressão de uma amizade bela e madura.
Mas é, principalmente, amor de
solidariedade e bem querer gratuito. No grego bíblico, se chama agapé e está contido na expressão "Deus é amor. Quem vive o amor permanece em
Deus e Deus está nessa pessoa" (1Jo 4, 16).
MARCELO BARROS
é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente
é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email:
contato@marcelobarros.com
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