por Kinno Cerqueira [1]
Gilberto Gil, numa de suas canções, anota uma declaração de
profundo valor para a espiritualidade bíblica:
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Vemos, nestas poucas linhas, intuição análoga àquela que
perpassa os dois testamentos bíblicos, a saber: que a espiritualidade, para ser
aprofundada, requer uma vida que não se esquive do silêncio.
O salmista, por exemplo, silencia a sua alma para acolher a
salvação do Senhor: “Somente em Deus espera silenciosa a minha alma; dele vem a
minha salvação” (Sl 62,1). E, noutro lugar, ainda escreve: “Ó minha alma,
espera silenciosa somente em Deus, porque dele vem a minha esperança” (Sl
62,5).
Como um eco da tradição dos salmos, ouvimos dos lábios de
Jesus de Nazaré o convite a que cultivemos uma espiritualidade nutrida pelas
águas cristalinas que brotam do silêncio: “...quando orares, entra no teu
quarto e, fechando tua porta, ora a teu Pai que está lá no segredo...” (Mt
6,6).
O silêncio, na experiência espiritual de Jesus, consistia
numa maneira de pôr o coração à escuta dos apelos que Deus lhe fazia na vida
cotidiana. Calava-se para ouvir a dor de Deus na dor dos pobres, doentes e
desprezados (Mc 1,35-45). Seus momentos de silêncio o tornavam a cada dia mais
sensível às dores do mundo, que também são as dores de Deus.
No quadro da espiritualidade bíblica, uma “vida silenciosa”
consiste em nos calarmos para ouvir os gemidos de Deus nos gemidos dos pobres e
desprezados, pois nestes Deus habita e espera ser servido.
[1] Kinno Cerqueira é pastor batista, biblista e assessor do CEBI (Centro
de Estudos Bíblicos) na área de estudos bíblicos.
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