Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Certamente não imaginava Inácio de Loyola que uma
das meditações centrais de seus Exercícios Espirituais encontraria
visibilização tão viva e concreta neste preciso momento da história brasileira.
Talvez lendo o parágrafo com que o santo descreve o contraste entre a proposta
do demônio e a proposta de Jesus Cristo possamos dar-nos conta com precisão
daquilo a que me refiro.
A meditação das Duas Bandeiras é proposta àquele ou
àquela que faz os Exercícios logo após a Primeira Semana, quando ele ou ela
terá passado vários dias debruçado sobre a realidade do pecado do mundo e do
seu próprio. Tratam-se de meditações que vão permitir conhecer melhor a
si mesmo e ao mundo onde se vive, mas sobretudo a graça misericordiosa de Deus,
que sempre o alcança e é muito maior e mais poderosa que seu pecado.
Em seguida, começa a Segunda Semana onde, após
algumas contemplações importantes sobre a Infância de Jesus, o exercitante é
confrontado com as Duas Bandeiras – a de Cristo e a do Inimigo da natureza
humana – mostrando qual a estratégia pela qual Cristo e também seu e nosso
Inimigo tentam seduzir-nos e conquistar-nos.
A estratégia do demônio é assim descrita por Santo
Inácio: “primeiro cobiça de riquezas, para que mais facilmente venham a vã
honra do mundo e depois a crescida soberba. De maneira que o primeiro
degrau seja de riquezas, o segundo de honra e o terceiro de soberba, e destes
três degraus induz a todos os outros vícios.”
Creio que o santo ficaria impressionado ao ver a
estratégia do demônio encarnada tão profunda e explicitamente em pessoas
públicas que hoje ocupam os noticiários dos jornais e os meios de comunicação,
vítimas das falácias e enganos do demônio que entre os inumeráveis nomes com
que é chamado na Bíblia, conta-se Pai da Mentira, Inimigo da Natureza Humana,
etc.
Ou seja, a estratégia deste sedutor inescrupuloso
se opõe nada mais nada menos que a nossa plena humanidade. Desvia-nos do
caminho de ser plenamente humanos. E por isso é inimigo.
Curioso ver que o primeiro campo por onde nos tenta
é o dinheiro. E vemos isso comprovado ao sermos levados a ler e ver todo
santo dia no noticiário vítimas desta tentação primeira e insidiosa.
Várias pessoas inteligentes, talentosas, que tiveram todas as oportunidades na
vida e tudo perdem ao serem descobertas como obcecadas por dinheiro.
Mestre Zu, nosso querido Zuenir Ventura, refletia
sabiamente: “Não bastava o que já havia conseguido? Não. Queria
mais, e mais e mais”. Esta é a grande insídia do dinheiro. Nunca
basta, nunca é suficiente, quanto mais se tem, mais se deseja. E para
consegui-lo se valem de todos os meios, mesmo os não éticos, mesmos os que
lesam pessoas necessitadas e vulneráveis.
É verdade que o dinheiro compra coisas boas:
viaja-se mais confortavelmente, vive-se luxuosamente, todos invejam, adulam e
cercam subservientemente os ricos e milionários. Mas já se vê que o final
do caminho é lamentável. Os que antes insaciavelmente assaltaram os
cofres públicos em benefício próprio, crendo jamais serem descobertos, agora
amargam dias duros, em acomodações precárias e condições humilhantes.
A riqueza tornou-se privação de liberdade, a honra
vã do mundo transformou-se em chacota e desprezo por parte daqueles e daquelas
que se sentem prejudicados pelos atos inescrupulosos desses novos ladrões de
terno caro e colarinho branco. Da prisão nos chegam notícias de que os
encarcerados sofrem depressão, choram, ficam doentes. Não é para
menos. A doença interior tem reflexos externos e eles nunca se imaginaram
nessa situação.
Fiel discípulo de Santo Inácio de Loyola, o Papa
Francisco tem falado constante e abundantemente sobre os perigos do apego
desordenado ao dinheiro. Seja citando sua querida avó Rosa, que dizia
sabiamente aos netos: “a mortalha não tem bolsos” até discursos oficiais diante
do Congresso estadunidense denunciando o tráfico de armas, essa preocupação
está presente em suas palavras.
A ditadura do dinheiro é a pior das opressões que
afligem o ser humano. Escraviza e obriga a fazer gestos tresloucados, para
manter a roda da fortuna girando sempre mais rápida, mais feroz e mais
veloz. Seu único antídoto é a proposta de Jesus Cristo, que vai na
direção exatamente oposta: a vida livre e verdadeiramente humana é feita de
simplicidade e humildade, pois só estas são caminhos para a verdade.
Possam as novas gerações aprenderem bem o
ensinamento que hoje povoa os noticiários e a mídia brasileira. Não vale
a pena vender a própria dignidade, a própria consciência e sobretudo espoliar
outros para enriquecer ilicitamente. O preço a pagar é alto. E
pior: é justo que assim seja. Para viver uma vida boa e feliz, ainda não
se inventou outro caminho melhor do que o trabalho honesto, as relações abertas
e transparentes e o cuidado dos outros e da criação.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – paixão por Deus em tempo de descrença” , recém
lançado pela Editora Rocco.
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