Por Leonardo Boff
Não podemos julgar as pessoas, pois o julgamento
cabe somente a Deus. Mas podemos julgar comportamentos porque são realidades
objetivas e podem ser encontradas em outras pessoas e em outras culturas.
Parece-nos evidente que o
comportamento de Eike Batista se revestia de não pouca arrogância a ponto de
pretender tornar-se a pessoa mais rica do mundo. Chegou a estar entre os dez
mais opulentos do planeta. Para isso abriu inúmeras frentes de enriquecimento,
colocando nelas a sigla de seu nome com um X significando a multiplicação: EBX.
Mas o comportamento desmedido fez falir grande parte de suas empresas e o
arruinou como empresário. Por fim acabou preso sob acusação de corrupção,
fraudes e lavagem de dinheiro.
Para esclarecer este tipo de comportamento
e as consequências sombrias que pode trazer vem-me à memória uma fábula da
cultura alemã (Eike possuía também nacionalidade alemã), transmitida por
Philipp Otto Runge, um simples pintor do século XIX.
Trata-se do que aconteceu com um
pobre casal de pescadores mas sem o sentido dos limites e da justa medida. Vou
traduzi-la do alemão gótico.
“Um certo casal vivia numa choupana
miserável junto a um lago. Todo dia a mulher ia pescar para poder comer com seu
marido. Certa feita, puxou em seu anzol um peixe muito estranho que não soube
identificar. O peixe foi logo dizendo: “não me mate, pois não sou um peixe
qualquer; sou um príncipe encantado, condenado a viver neste lago; deixa-me
viver”. E ela deixou-o viver. E pescou outro peixe.
Ao chegar em casa, contou o fato ao
marido. Este, muito esperto, logo lhe sugeriu: “se ele for de fato um príncipe
encantado, pode nos ajudar e muito. Corra para lá e tente pedir a ele que
transforme nossa choupana num castelo”. A mulher, relutando, foi. Com voz forte
chamou o peixe. Este veio e lhe disse: “que queres de mim”? Ela lhe respondeu:
“você deve ser poderoso, poderia transformar minha choupana num castelo”.
“Pois, será atendido o teu desejo” respondeu.
Ao chegar em casa, deparou-se com um
imponente castelo, com torres e jardins e o marido vestido de príncipe.
Passados poucos dias, disse o marido à mulher, apontando para os campos verdes
e para as montanhas ao longe “Tudo isso pode ser o nosso reino; vá ao principe
encantado e peça-lhe que nos dê um reino”. A mulher se aborreceu com o desejo
exagerado do marido, mas acabou indo. Chamou o peixe encantado e este veio.
“Que queres agora de mim”, perguntou ele. Ao que a pescadora respondeu:
“gostaria de ter um reino com todas as terras e montanhas a perder de vista”.
“Pois, seja feito o teu desejo” respondeu o peixe.
Ao regressar, encontrou um castelo
ainda maior. E lá dentro seu marido vestido de rei com coroa na cabeça e
cercado de príncipes e princesas. Ambos desfrutram, por uns bons tempos, de
todos os benefícios que os reis costumam desfrutar. Então o marido sonhou mais
alto e disse: “Você, minha mulher, poderia pedir ao príncipe encantado que me
faça Papa com todo o seu esplendor”.
A mulher ficou irritada. “Isso é
absolutamente impossível. Papa existe somente um no mundo”. Mas ele fez tantas
pressões que finalmente a mulher foi pedir ao príncipe: “quero que faça meu
marido Papa”. “Pois, seja feito o teu desejo”, respondeu ele. Ao regressar viu
o marido vestido de Papa cercado de cardeais com suas vestes vermelhas, bispos com
suas cruzes de ouro e multidões ajoelhadas diante deles. Ambos ficaram
deslumbrados. Mas passados uns dias, ele disse: “só me falta uma coisa e quero
que o príncipe ma conceda, quero fazer nascer o sol e a lua, quero ser Deus”.
“Isso o príncipe encantando,
seguramente não poderá fazer”, disse a mulher pescadora. Mas sob altíssima
pressão do marido e aturdida foi ao lago. Chamou o peixe. E este lhe perguntou:
“que queres, por fim, mais de mim”? Ela, trêmula, falou: “quero que meu marido
vire Deus”.
O peixe, estremeceu mas lhe disse:
“Retorne e terás uma supresa”. Ao regressar, encontrou seu marido sentado
diante da choupana, pobre e todo desfigurado”. E parce que estão lá até os dias
de hoje.
Mutatis mutandi não é algo parecido com o caso de Eike
Batista?
Os gregos chamavam este comportamento
de hybris, quer dizer, excessiva pretensão e arrogância. E diziam
que os deuses inexoravelmente castigavam tal atitude. Mais humilde e verdadeiro
foi de São Francisco de Assis que dizia: “desejo pouco e o o pouco que desejo é
pouco”.
Leonardo Boff é colunista do JB on
line e escreveu Comensalidade: comer e beber juntos e viver em paz,
Vozes 2006.
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