Por Marcelo
Barros
Para muita
gente, profeta é quem adivinha o futuro. Para a Bíblia, profeta é um/uma
porta-voz da palavra divina. É alguém que, por ter intimidade com Deus, recebe
dele um recado para dar à humanidade e transmite a sua mensagem mais por um
jeito de viver e por atitudes concretas do que apenas por palavras. A partir
desse raciocínio, só poderia ser profeta uma pessoa humana. No entanto, para a
Bíblia, a terra e toda a natureza se comportam como profetas. Ninguém nega que
podemos sim escutar uma palavra divina através da natureza e da terra. Nos
últimos tempos, a palavra que, em nome de Deus, a terra nos diz é uma
advertência séria a respeito do caminho da civilização para que essa retome o
cuidado com a vida e com a sustentabilidade do planeta.
Nesse ano,
ao celebrar a Quaresma e preparar a Páscoa como festa da renovação de nossa
vida, a Campanha da Fraternidade nos convida a escutarmos a profecia dos biomas
brasileiros. Propõe que organizemos a fraternidade em comunhão com os biomas
que temos em nosso país e com os respectivos povos de cada bioma. O tema da CF
2017 é "Fraternidade: Os Biomas Brasileiros e a Diversidade da Vida".
O lema é: Cultivar e Guardar a Criação
(Gn 2,15).
Etimologicamente,
o termo grego bioma significa
"conjunto de vida". Por isso, chama-se bioma uma região que contenha
um conjunto de características iguais, na sua topografia, na distribuição de
seus rios ou nascentes de água, na sua
vegetação, no clima, no tipo de animais que ali vivem e também na população
que ali mora e sua cultura. No território brasileiro, são reconhecidos seis
biomas: a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, os Pampas e o
Pantanal. Cada um desses biomas é expressão da rica e variada Criação que nos
foi presenteada amorosamente por Deus e por isso dele devemos cuidar.
Todos nós
sabemos que, na realidade atual do país, a expansão das atividades
agropecuárias e da urbanização no país tem provocado destruição ambiental.
Embora possua uma grande biodiversidade, o Brasil corre o risco de perdê-la se
continuamos nesse caminho que o papa Francisco denunciou: colocar o lucro e o
interesse dos ricos acima da própria vida humana e do planeta (Cf. Laudatum
sii, n. 190-191). Nenhum dos biomas está protegido. Alguns estão bastante
ameaçados como a Amazônia e o Pantanal. Outros estão quase extintos, como o
Cerrado e a Mata Atlântica, dos quais restam mínimos resquícios vivos.
Essa
Campanha da Fraternidade é um modo de unirmos nossa fé à vida. Celebrar a
Páscoa de Jesus não é apenas ritualizar o que ele viveu mas sim reviver hoje o
seu amor que dá uma vida nova a nós mesmos e a todo o universo. Assim, cuidar
dos biomas será um modo de renovar nosso seguimento de Jesus no seu caminho
pascal. Como discípulos/as de Jesus, trataremos de conhecer melhor os nossos
biomas para cuidar com mais amor da rica diversidade de nosso país, relacionada
com todo o planeta.
Esse
cuidado com os biomas se materializa, principalmente, em relação ao bioma em
que vivemos. É a natureza que nos cerca e na qual estamos inseridos. A Mata Atlântica se encontra no litoral e
percorre, de norte a sul, 17 estados. Nela estão mais da metade dos municípios
brasileiros. Na região da Mata Atlântica, se concentra 72% da população
brasileira. Esse alto índice de povoamento e com forte urbanização faz com que
da primitiva mata restem apenas uma porção ínfima (8, 5%). Essa destruição da
natureza produz uma enorme deterioração no clima e na qualidade de vida da
população, assim como ameaça a sobrevivência de muitas espécies vegetais e
animais. O Cerrado brasileiro é o segundo bioma maior e mais importante do país
(depois da Amazônia). Abrange mais de 12 estados, entre os quais Goiás,
Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão,
Piauí e DF. Ali se encontram as nascentes das três mais importantes bacias
hidrográficas da América do Sul: a bacia amazônica, através do Tocantins, a do
São Francisco e a do rio da Prata. É a savana mais rica do mundo. No entanto,
de todas é a mais ameaçada e agredida. De toda a sua área, restam apenas 8, 21%
de área que se pode considerar protegida.
Nesse tempo
de Quaresma e Páscoa, ao celebrar o memorial da paixão, morte e ressurreição de
Jesus, precisamos contemplar a Páscoa de Jesus atualizada no sofrimento do povo
pobre que, hoje, enfrenta o aumento do desemprego, a deterioração das suas
condições de vida e a negação dos seus direitos de cidadania. A paixão de Jesus
também se expressa na agressão contínua e situação de riscos pela qual
passam todos os biomas brasileiros.
Podemos atualizar São João Crisóstomo, afirmando: "O Cristo ressuscitado
vem dar a cada um/uma de nós, a nossas comunidades eclesiais e a toda a criação
(natureza) que nos rodeia uma vida ressuscitada".
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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