Por
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Ser latino é nascer em algumas latitudes. Ou
ter ancestrais próximos que nasceram nessas latitudes, situadas ao sul do mundo
antigo, nas praias do Mar Mediterrâneo. Os povos mediterrâneos construíram uma
riqueza cultural complexa, identificada com o Lácio, mais especificamente a
Roma antiga.
Ser latino significa ainda falar e expressar-se em
determinadas línguas, denominadas latinas, quais sejam o italiano, o espanhol,
o francês e o português. Nessas línguas os povos latinos escreveram, fizeram
arte, construíram saber que hoje ainda é patrimônio precioso para toda a
humanidade.
Alguns desses povos latinos saíram de seus lugares
de origem e vieram para o sul da América, continente descoberto pelo genovês Cristóvão
Colombo crendo achar o caminho para as Índias. Encontraram o novo mundo
chamado América e o colonizaram.
Posteriormente, ingleses e franceses dirigiram-se
para o norte do continente americano e ali construíram o que hoje conhecemos
como Estados Unidos e Canadá. Muitos territórios latinos foram apropriados pelo
país que surgia e passaram a ser contados em sua federação.
Hoje chamamos latino-americanos os que vivem no sul
do continente e norte americanos os que vivem ao norte. Sucede que o
mundo globalizado flexibilizou as fronteiras e há muitos anos o Sul migra para
o Norte, sonhando e buscando encontrar aí uma vida melhor, com trabalho e
prosperidade. A migração, no entanto, não significa a morte da cultura.
Por isso, hoje, nos Estados Unidos, existe uma grande presença da cultura
latina, que resiste ao desaparecimento de sua identidade e leva a cabo ricas
produções culturais e científicas que enriquecem não só o país onde vivem, mas
toda a humanidade.
Uma dessas áreas é a teologia, reflexão sobre a fé,
que elabora um discurso sobre as características dessa cultura e dessa religião
inseridas em um país estrangeiro. Partindo sobretudo das categorias do
cotidiano, das celebrações, das festas e rituais, a teologia latina dos Estados
Unidos converteu-se aos poucos em uma importante escola de teologia que é
parceira obrigatória nos grandes debates e reflexões daquele país.
Até o momento, essa teologia dialogava entre si e
com teólogos americanos, não somente descendentes de anglo-saxões, mas também
de africanos e de asiáticos. Recentemente, porém, vem descobrindo um novo
parceiro de diálogo: a teologia latino-americana.
Quando se olharam nos olhos, essas duas teologias
constataram que eram irmãs de sangue. Em suas veias corria um sangue
feito dos povos originários indígenas e afro-ameríndios, primeiros habitantes
dos países ao sul da América. Em seu coração palpitava o desejo de que a
fé, raiz de sua vida, fosse igualmente sua forma de presença em uma
cultura onde viviam como em exílio. Exílio físico para os latinos dos Estados
Unidos; exílio social para os latino-americanos, cuja teologia brotava do
encontro com o Senhor no rosto do pobre e do acompanhamento da fé do povo de
Deus.
E um dia um Papa latino-americano, vindo do Sul, do
fim do mundo, foi eleito para o trono de Pedro. Sua liderança, seu
carisma, sua capacidade de renovação e de diálogo fizeram ambas as teologias se
verem por ele representadas e se sentirem ainda mais estimuladas ao diálogo e à
mútua colaboração.
Hoje, o diálogo entre essas duas teologias tem
diante de si um vasto e promissor horizonte. Ambas sabem que podem
enriquecer-se mutuamente e potencializar a força delas na comunidade teológica
internacional. Ambas esperam que sua reflexão e seu discurso sejam
ouvidos em outras partes do mundo e possam fazer uma diferença importante no
pensar e discorrer sobre a fé que é a teologia. Ambas sonham com o dia em que
essa presença teológica latina tenha lugar reconhecido, de fato e de direito,
nos grandes fóruns internacionais de pensamento, seja de teologia, seja de
outras áreas do saber.
Ambas manejam novas epistemologias vindas do
sul. O Sul real que é o da América Latina. E o Sul inserido no Norte, que
é o da comunidade latina dos Estados Unidos. Desde este sul que quer dar-se a
conhecer, a pensar e ajudar a crer essas teologias desejam dizer uma palavra
não apenas para as igrejas, mas para a sociedade e a academia. Ambas fazem
teologia com sabor latino e aí está sua riqueza e diferença.
Maria
Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da
PUC-RJ. A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”,
Editora Rocco.
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