por Frei Betto
Mudou o Natal e mudamos nós, admitiria hoje Machado de Assis. Com as novas
tecnologias de comunicação o mundo encolheu. Minha avó talvez nem soubesse que
o Afeganistão existe. Hoje a bomba que explode na Síria incomoda os nossos
ouvidos e as chuvas torrenciais na China respigam em nós no Brasil.
Mudou sobretudo a política. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o século XX
terminou, assinalou Eric Hobsbawm. Agora o planeta está hegemonizado pelo
capitalismo; o Estado de bem-estar social já não se faz necessário para conter
a ameaça comunista; e um novo dogma é proclamado: fora do mercado não há
salvação!
Vale tudo por dinheiro! Inclusive na política. Ah, mas e a corrupção?,
perguntam os incautos que acreditam que a raposa é capaz de cuidar do
galinheiro. Roberto Campos já dizia que, no capitalismo, “não há corrupção, há
negócios”. Tudo se resolve atrás do balcão. E não estamos falando do assalto ao
dinheiro público desviado dos cofres da Petrobras. Trata-se de algo muito mais
grave, de um crime de lesa-democracia: o flagrante de o presidente da República
conspirar nos porões do palácio com um bandido orientado a não ingressar pela
porta da frente, e ainda se apresentar na portaria com nome falso.
A lógica do neoliberalismo reduz o nosso ângulo de visão. Vemos apenas a sucessão
de árvores, e não a floresta. Os fatos são ludibriados pelas interpretações. A
história é reduzida a uma sequência de episódios pitorescos, bizarros, dos
quais ficam sumariamente excluídos os conceitos de povo, nação, classe social e
modos de produção.
Nesse mundo supostamente desideologizado e conturbado são descartados os
programas estratégicos, as propostas de longo prazo e as utopias libertárias.
Torce-se o nariz para políticos e partidos. Cede-se à síndrome do corpo de
bombeiros: em plena crise, peça-se socorro urgente a quem parece estar acima
das instituições corrompidas e conceda-lhe todos os poderes!
Foi assim que a Revolução Francesa desembocou em Napoleão; a Alemanha se
ajoelhou aos pés de Hitler e a Itália, de Mussolini. É assim que, hoje, o Reino
Unido se ilha ainda mais ao se desconectar da União Europeia na esperança de
levar vantagem. É assim que os eleitores estadunidenses elegem Trump e, os
franceses, Macron. Essa mesma lógica entregou a João Doria a prefeitura de São
Paulo, e faz Bolsonaro figurar entre as preferências presidenciais dos
eleitores brasileiros.
Não adianta chorar diante do leite derramado. É hora de dar respostas para
certas perguntas: por que o povo brasileiro não ocupa as ruas? Por que não se
arrancam as máscaras da minoria que insiste em reduzir o caráter das
manifestações a atos de vandalismo? Por que nenhum setor progressista, salvo o
MST e o MTST, faz trabalho de base de formação política de militantes? Por que
muito se discutem nomes para as eleições de 2018, e pouco programas e
critérios? Por que o reduto da esquerda envolvido em corrupção não faz
autocrítica? Por que a ambição de ganhar eleições é, hoje, mais notória do que
o projeto de mudar as estruturas da sociedade brasileira?
Enquanto não houver respostas claras e práticas a essa questões, o Brasil
também ingressará na era dos avatares.
Frei Betto
é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.
Copyright 2017 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou
publicá-los em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou
impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL –
Agência Literária (mhgpal@gmail.com)
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
Você acaba de ler este artigo de Frei
Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em português,
espanhol ou inglês - mediante assinatura anual viamhgpal@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário