Por
Marcelo Barros
A maioria das religiões mantém o costume de
fazer peregrinações. Os muçulmanos vão a Meca e os hinduístas às nascentes do
rio Ganges. Os cristãos de tradição católica vão a Jerusalém, a Santiago de Compostela ou a santuários de
peregrinação, espalhados por todo o mundo. No Brasil, em julho acontecem diversas
romarias e peregrinações populares. Nesse primeiro domingo do mês, em Trindade,
GO, encerrou-se a festa do Divino Pai Eterno. De todo o Centro-oeste, milhares
de romeiros vieram ao santuário, enquanto no sertão da Bahia, nos meados de
julho, a cada ano, a romaria do Bom Jesus da Lapa recebe um número sempre maior
de romeiros. São pessoas de todas as classes sociais e das mais diversas
culturas, vindas do campo e das cidades.
Em uma cultura secularizada e crítica, há
quem considere a peregrinação e outras devoções coletivas como superadas. Alguns
círculos espirituais distinguem dois tipos de espiritualidade. A exotérica se chama assim porque é
voltada para fora e consiste em práticas externas como peregrinações, cultos e
costumes formais. A esse modelo, se costuma contrapor a espiritualidade esotérica, centrada nas meditações e
práticas interiores e subjetivas. Uma das críticas, comumente feitas ao Cristianismo,
é a de ter desenvolvido mais a dimensão exotérica e insistir menos na
contemplação e centração interior. Sem dúvida, desde os tempos bíblicos,
profetas como Jeremias insistiam que “a verdadeira circuncisão é a do coração”.
O salmo 51 retoma que Deus se agrada da conversão do coração e da renovação
interior e não de cultos externos. Nessa linha, hoje, por todo o mundo, se
espalha a prática da meditação cristã. Em geral, se trata da simples repetição
do nome de Jesus para aquietar o coração na paz divina.
Seja como for, a espiritualidade esotérica
não substitui ou abole a dimensão externa da fé. Essa exerce a função de método
para nos ajudar a sair de nós mesmos e viver a intimidade divina, não como algo
privado e intimista, mas como caminho de comunhão com as outras pessoas que têm
a mesma busca. A sociedade capitalista ficará feliz se até mesmo os religiosos
aceitarem privatizar a sua fé, adaptando-a à cultura individualista na qual
cada qual vive o seu caminho sem se preocupar com o outro. Ao contrário, quem
segue o caminho bíblico sabe que Deus se revela a mim no outro e se revela ao
outro em mim. Eu preciso do outro e da comunidade para viver a intimidade com
Deus. No evangelho, Jesus havia dito: “Onde dois ou três pessoas se reúnem no
meu nome, Eu estarei no meio delas” (Mt 18, 18- 20).
Já em 1965, Dom Hélder Câmara, então
arcebispo de Recife, escreveu: “Quando me
perguntam pelas viagens que faço a países distantes deixando a entender que
peregrinações assim não estão ao alcance de qualquer pessoa, eu gostaria de ter
o dom maravilhoso de convencer que viagem alguma se compara, nem de leve, a
caminhar, noite e dia, como todos podemos fazer, dentro de Ti, Senhor. Pena
que, neste mundo, o mais comum seja viajar de olhos vendados”.
Essa meditação poética é um convite para
assumirmos nossa peregrinação interior de cada dia, caminhada que é íntima e,
ao mesmo tempo, comunitária: avançar de olhos e corações abertos no caminho do
amor.
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