Por Juracy Andrade
Nos primeiros
dez séculos da Igreja, os padres e bispos não eram obrigados a se abster do
casamento. Lembro isso ao eclodir mais um escândalo de pedofilia, de que é acusado
o cardeal australiano George Pell, atualmente tesoureiro do Vaticano. Ele nega
veementemente a acusação e vai comparecer à polícia em sua terra. Disse que o
papa Francisco lhe concedeu licença para defender-se. A obrigação jurídica do
celibato sem a graça, o carisma, da castidade é uma aberração.
O horror ao sexo que tomou conta do cristianismo, fazendo com que Tomás
de Aquino, mesmo antes de se tornar monge, pegasse um tição a saísse correndo
atrás de uma mocinha que se ofereceu a ele, tomou desvios estranhos.
Aparentemente, boa parte do clero diocesano e religiosos concluiu que o sexo só
seria pecado entre homem e mulher, o que abre caminho a uma ampla prática da
pedofilia. Tal prática acentuou-se aqui no nosso país desde que o Concílio de
Trento (Contrarreforma) implantou-se por estas bandas. Antes, padres e frades
eram verdadeiros patriarcas, com suas amásias que chamavam de comadres para
evitar falatório. Com o tempo, liberaram geral e conventos foram se
despovoando, o que levou a uma restauração sobretudo das ordens beneditina e
franciscana, através de monges mais disciplinados importados da Alemanha. Essa
história de São Tomás lembra O nome da
rosa, de Umberto Eco, com aquela passagem da pobre camponesa em busca de
comida e aproveitando para traçar um noviço (com os monges mais velhos a
comilança era generalizada).
Ainda hoje, sabemos, o celibato não é exigido em muitas igrejas
orientais. Em algumas, o padre tem de casar antes da ordenação e não pode
chegar a bispo.
Houve tentativas de exigir o celibato em concílios como os de
Elvira e Niceia (século 4º). Mas a exigência só foi oficializada, pelo papa
Gregório 7º, em 1073. Ele foi longe, considerando herético o matrimônio de
sacerdotes porque isso os distrairia do serviço de Deus e contrariava o exemplo
de Jesus Cristo. Mas há outra interpretação para essa proibição, segundo vários
historiadores: era um meio de evitar que as heranças de sacerdotes e bispos
fossem para as mãos de seus filhos e viúvas, em vez de ir para a posse da
Igreja. Anos mais tarde, o 1º Concílio de Latrão decretou a invalidade do
casamento de clérigos, que foi reforçada pelo 2º Concílio de Latrão.
Deseja uma grande quantidade de cristãos católicos que o papa Francisco,
com sua nova visão dos problemas que afetam a Igreja, encaminhe providências
para uma revisão, talvez lenta devido aos conservadores, da legislação canônica
sobre o celibato clerical. As crianças abusadas sexualmente agradecem. E o
carisma da castidade será preservado, sem direito canônico.
O autor é
jornalista com formação em filosofia e teologia
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