Por Leonardo
Boff
O
problema fundamental da crise brasileira não está na corrupção que é endêmica e
tolerada pelas instâncias oficiais, porque dela se beneficiam. Se fossem resgatados
os milhões e milhões de reais que anualmente os grandes bancos e as empresas
deixam de recolher ao INSS, tornaria supérflua uma reforma da Previdência.
O
problema não é apenas Lula ou Dilma e muito menos Temer. O centro da
questão é a disputa no quadro da nova guerra-fria entre USA e China: quem vai
controlar a sétima economia mundial e como alinhá-la à lógica do Império
norte-americano, impedindo a penetração da China nos nossos países,
especialmente no Brasil pois ela precisa manter seu crescimento com recursos
que nós possuímos.
Esta
estratégia começou a ser implementada com a Lava-Jato e seu juiz Sérgio Moro e
a entourage de promotores, vários preparados nos USA. Prosseguiu com o impeachment da
presidenta Dilma via parlamento, incorporou, setores do ministério público, da
polícia federal, parte do STF e dos partidos conservadores, claramente
neoliberais e ligados ao mercado.
Todas
estas instâncias servem de forças auxiliares ao projeto maior do Império. Com
uma vantagem: essa submissão vem ao encontro dos propósitos dos herdeiros da
Casa Grande que jamais toleraram que alguém da senzala ou filho da pobreza,
chegasse à Presidência e inaugurasse políticas sociais de inclusão das classes
subalternas, capazes de pôr em xeque seus privilégios. Preferem estar seguros
ao lado dos USA, como sócios menores, do que aceitar transformações no status
quo favorável a eles.
Para os
USA, o Brasil é um espaço no Atlântico Sul, a descoberto. Não pode continuar,
pois consoante uma das ideias-força do Pentágono: o “full spectrum dominance”(a
dominação de todo espectro territorial), o Brasil deve estar sob
controle. Daí a presença da quarta frota próxima a nossas águas
territoriais e ao pré-sal. A visão imperial e belicista se expressa pelas
800 bases militares pelo mundo afora também várias na América Latina.
A China,
em contrapartida, segue outra estratégia. Escolheu o caminho econômico e
não o belicista. Por aí pensa ter chances de triunfar. O grande projeto da
Eurásia, “O caminho da Seda” que envolve 56 países com um orçamento de ajuda ao
desenvolvimento de 26 trilhões de dólares, faz com que marque sua presença
também no Brasil e na América Latina.
Nesse
jogo de titãs, a estratégia norte-americana conta no Brasil com fortes aliados:
os que perpetraram o golpe parlamentar, jurídico e mediático contra Dilma.
Estão impondo um neoliberalismo mais radical que nos países centrais. Ele
implica liquidar politicamente com a liderança popular de Lula através dos
vários processos movidos contra ele pelo juiz justiceiro Sergio Moro da
Lava-Jato. Eles todos seguem o figurino imperial imposto. Por isso, Moro se viu
obrigado a condenar Lula, mesmo sem base jurídica suficiente, como o tem
revelado eminentes juristas, do quilate de Dalmo Dalari e de Fábio Konder
Comparato e por outra via, o grande analista político Moniz Bandeira.
Em
termos gerais, para os USA trata-se de impedir que governos progressistas
cheguem ao poder com um projeto de soberania e que reforcem um novo sujeito
político, vindo debaixo, das periferias, com políticas anti-sistêmicas mas que
implicam a inclusão de milhões na sociedade, antes comandada por elites
retrógradas, excludentes e inimigas de qualquer avanço que venha a ameaçar seus
privilégios. Precisamos ter clareza: partidos com projetos claramente
neoliberais, que colocam todo valor no mercado e todos os vícios no Estado que
deve ser diminuído, como tem mostrado com vigor Jessé Souza e que freiam até
com violência a ascensão das classes subalternas, são representantes
subalternos desta estratégia imperial norte-americana e contra a China,
envolvendo o Brasil nesta trama, que para nós, no fundo, é anti-povo e
anti-nacional.
Às
nossas oligarquias não interessa um projeto de nação soberana com um governo
que com políticas sociais diminua a nefasta desigualdade social (injustiça
social) e que aproveite nossas virtualidades seja da riqueza ecológica, da
criatividade do povo e da posição estratégica geopoliticamente. Basta-lhes ser
aliados agregados do Império norte-americano com o suporte europeu, pois assim
veem garantidos seus privilégios e salvaguardada a natureza de sua acumulação
absurdamente concentradora e anti-social. Daí que reeleger Lula seria a maior
desgraça para o projeto imperial e aos oligopólios nacionais
internacionalizados.
Essa é a
real luta que se trava por debaixo das lutas político-partidárias, do combate à
corrupção e à punição de corruptos e corruptores. Esta é importante, mas não
acaba em si mesma. Não podemos ser ingênuos. Importa ter claro que ela se
ordena ao alinhamento ao Império norte-americano de costas ao povo, negando-lhe
o direito de construir o seu próprio caminho e de, com outros, dar uma feição
menos malvada à planetização, impondo limites ao Grande Capital em escala
mundial.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu”Paixão de Cristo, paixão do mundo”, Vozes 2001.
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