Por Frei
Betto
O (des)governo Temer agravou a escalada de violência no campo. Em apenas 35
dias, ocorreram três massacres e uma tentativa, quase um por semana, com 22
trabalhadores mortos na luta pelo direito à terra, defendido pelo papa Francisco
ao enfatizar que a dignidade humana depende de três T: terra, trabalho e terra.
O primeiro, em Colniza (MT), em 20 de abril, com nove trabalhadores torturados
e mortos por jagunços encapuzados. O líder dos posseiros foi degolado.
Em Vilhena (RO), em 29 de abril, três corpos carbonizados foram encontrados
dentro de um carro, na mesma fazenda em que cinco trabalhadores haviam sido
assassinados em 2015, três deles queimados ainda vivos. O crime permanece
impune.
O ataque aos índios Gamela ocorreu em 30 de abril, em Viana (MA), e resultou em
22 feridos, dois com mãos decepadas por populares insuflados por ruralistas e
políticos, com envolvimento da Polícia Militar, conforme registro de uma
viatura da própria corporação.
O mais recente massacre foi em Pau d’Arco, no sul do Pará, em 24 de maio: nove
homens e uma mulher assassinados por policiais civis e militares. A versão
oficial é a de que as mortes ocorreram em confronto armado, pois os policiais
teriam sido recebidos a bala.
Esta versão é uma afronta à inteligência da opinião pública nacional e
internacional. Como em um confronto armado nenhum dos 29 policiais envolvidos
sequer foi ferido? Mas não só: a cena do crime foi desmontada e os policiais
transportaram os corpos para a cidade.
Tais circunstâncias, bem como o depoimento de alguns sobreviventes do massacre,
feita a integrantes do Ministério Público e a outras entidades que
investigam o caso, indicam que houve execução fria e planejada.
A versão oficial tenta revestir a chacina de Pau d’Arco de aparência
legal ao alegar “cumprimento de mandados de prisão” e de “prestação de socorro”
à retirada dos corpos das vítimas. Na verdade, o que se fez foi apagar
vestígios e encobrir um massacre premeditado e cruelmente realizado, às
gargalhadas, conforme testemunhas. A barbárie se consumou com o tratamento
dispensado aos corpos das vítimas, jogados como animais em carrocerias de
camionetes, levados a distâncias de até 350 km para perícias, e devolvidos, do
mesmo modo, aos familiares, largados ao chão de uma funerária, já putrefatos,
para serem enterrados às pressas e à custa deles, sem chance nem de um breve
velório.
A diversidade dos autores revela a barbárie generalizada provocada pelo descaso
do governo na solução dos problemas de terra no Brasil, com agravamento de suas
consequências, sobretudo nos últimos três anos. Tudo indica que este ano de 2017
vai superar 2016, recordista em ocorrências de conflitos por terra no Brasil nos
últimos 32 anos. Foram 1.079 ocorrências, quase três por dia, o maior número
desde 1985, quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) começou a
publicar sistematicamente seus registros. Já são 37 os trabalhadores rurais assassinados nos últimos cinco meses de
2017, oito a mais que em igual período no ano passado, quando houve o registro
de 29 assassinatos.
Essa exacerbação dos conflitos agrários está ligada à crise política
que o país atravessa e ao avanço criminoso do agronegócio sobre o Estado brasileiro. Os
desmandos autoritários da cúpula da República, com seu jogo de poder servil aos
interesses da minoria do capital, vilipendiam os direitos sociais e relativizam
os direitos humanos.
O Estado brasileiro tem ultrapassado os limites do desrespeito à cidadania e
aos interesses do povo, numa democracia de fachada, cinismo e desfaçatez, que
se alimenta de desmandos criminosos impunes, conforme o comprova a Lava Jato. A
desobediência ou manipulação da legalidade é senha para os excessos na
repressão aos pobres. É licença para matar e tripudiar sobre eles. Nega-se um
mínimo de dignidade a camponeses, trabalhadores sem
terra, pescadores, quilombolas e indígenas.
É inaceitável que o poder público se faça de cego frente à manifestação de ruralistas e
parlamentares, em 29 de maio, em Redenção, no sul do Pará,
em solidariedade aos policiais que praticaram o massacre em Pau d’Arco, e ali
proclamados heróis da causa ruralista.
Frei Betto
é escritor, autor do romance “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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