Por Marcelo
Barros
"Estamos diante
de um momento crítico da história da Terra, em uma época na qual a humanidade
deve escolher o seu futuro: (...). A escolha é nossa e deve ser: ou formar uma
aliança global para cuidar da Terra e cuidar uns dos outros, ou arriscar a
nossa destruição e a destruição da diversidade da vida" (Preâmbulo da
Carta da Terra).
Esse
documento-chave para compreender os tempos em que vivemos foi formulado por
intelectuais, militantes sociais, artistas e religiosos de todo o mundo. Ainda
no início desse século, foi proposto à ONU e foi aprovado como orientação de
muitos organismos internacionais. No entanto, até agora, governos, empresas e a
sociedade dominante ainda não lhe deram a prioridade que merece.
Já estamos
chegando à metade de setembro. Oficialmente, na próxima semana, ao menos na
região sul e sudeste do Brasil, devemos entrar na primavera. No entanto, a
natureza tem se revelado insubmissa a calendários. No plano do clima e das
estações, nada mais se pode garantir. Atualmente, poucas palavras rodam tanto o
mundo quanto o substantivo sustentabilidade
e o adjetivo sustentável. Governos e
empresas falam em desenvolvimento sustentável. Os meios de comunicação apregoam
caminhos novos. O mercado tenta colar nos produtos o carimbo de sustentável,
biológico ou natural.
Em tempos
mais recentes, maior número de lavradores e movimentos sociais do campo têm
aderido à agroecologia. Algumas regiões investem em energias alternativas mais
sustentáveis e alguns proprietários se preocupam com o reflorestamento. No entanto, isso ainda fica restrito a uma
minoria. São experiências de valor, mas limitadas. Os projetos verdadeiramente
ecológicos ainda são pequenas ilhas isoladas e perdidas, em um mar de outros
interesses. Muitos dos projetos e produtos que recebem o carimbo de ecológicos
cuidam mais da aparência. Fazem parte da chamada "economia verde" que
pinta de ecológico o produto para continuar a mesma exploração de sempre.
Cada vez
mais os movimentos sociais, organizações não governamentais e estudiosos/ do
mundo inteiro estão de acordo que o
planeta Terra está chegando a um ponto de não retorno. O próprio papa Francisco
escreveu uma carta encíclica sobre o cuidado da casa comum. Nela, o papa propõe
uma aliança de toda a humanidade e de todas as religiões para proteger o
planeta e para unir ecologia e justiça social. É urgente uma verdadeira revolução na linha da sustentabilidade para
que possamos salvar, enquanto é possível, a vida no planeta Terra.
Até hoje, poucos
brasileiros tinham ouvido falar na RENCA, uma reserva natural de floresta que
abrange quatro milhões de hectares. É uma área mais ou menos do tamanho do
estado do Espírito Santo. Essa reserva biológica, tomada pela floresta natural
e habitada por vários povos indígenas, está situada em parte do Amapá e do
Pará. Foi criada pelo governo federal em 1984 e protegia a região contra a
exploração das mineradoras. No dia 23 de
agosto, sem consultar as comunidades locais, os índios, Igrejas e organizações
sociais que atuam na área, o presidente Temer assinou um decreto que extinguia
a RENCA. Assim, abria a região às mineradoras e ao agronegócio. Cedeu à pressão
dos deputados e senadores das bancadas dos três B: Boi, bala e Bíblia, ou seja
os latifundiários do agronegócio, os deputados que se dizem evangélicos e os funcionários
das indústrias de armas. Houve forte reação das comunidades indígenas, das organizações
ecológicas e de Igrejas comprometidas com a defesa da Amazônia. O governo
recuou e uma semana depois publicou novo decreto, que mantém a extinção da
reserva, mas promete proteger as reservas florestais mais sagradas. Um juiz
anulou o decreto presidencial e o Ministério Público Federal declarou que a
proposta do presidente equivale a quatro anos de destruição da floresta
amazônica. O decreto foi superado, mas o problema continua. Ao que tudo indica,
a conta chegou e Temer precisa pagar os votos que comprou da elite que o
sustenta. Assinou contrato com mineradoras. Abrirá, ao menos dez áreas de
exploração de minérios. No coração da Amazônia, ele abriu as últimas porteiras
para que os barões da pecuária, as empresas de mineração e as madeireiras tomem
conta de tudo.
A primeira
impressão é que não nos resta fazer nada. Fica uma sensação de impotência e de
dor. No entanto, as entidades da sociedade civil que formam a rede de
solidariedade à Amazônia denunciam esse crime em todas as esferas internacionais
que podem. Também bispos católicos da região têm alertado e contam com o apoio
do papa para criar uma consciência coletiva que impeça essa tragédia. As
empresas multinacionais envolvidas começam a sofrer pressões no norte do mundo
para renunciarem a esse caminho que põe em risco toda a humanidade.
As pessoas
que buscam aprofundar um caminho espiritual, em qualquer religião que seja ou
mesmo fora das instituições religiosas se sentem chamadas a se unirem e se
organizarem em uma grande rede de testemunhas do amor divino que se manifesta
na proteção da Amazônia e de toda a natureza. Ministros e fieis das mais
diversas religiões concordam: destruir a natureza é ofender seriamente ao amor
divino que criou a terra, a água, o ar e todo o ambiente que faz parte de nossa
biosfera. Como escreveu o apóstolo Paulo, a
natureza geme e sofre e mesmo nós que temos em nós o Espírito sofremos como
dores de parto, esperando a libertação nossa e de todo o universo (Cf. Rm
8, 22- 23).
Marcelo Barros,
monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor
nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de
base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT
(Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros
publicados no Brasil e em outros países
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