Artur Peregrino
Por iniciativa do Instituto Humanitas
Unicap, Grupo Amigos no Caminho e NEABI - Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e
Indígenas -
em parceria, realizaram, nos dias 18 e 19 de novembro, uma viagem, com alunos,
professores e funcionários para a Serra da Barriga em União dos Palmares – AL. O
objetivo era visitar e conhecer o Quilombo dos Palmares e a região.
Estando na cidade de União dos
Palmares, os estudantes universitários, visitaram o museu da cidade como também
“um quilombo vivo”. Quilombo Munquém. Lá, houve um encontro com lideranças do
quilombo como também com artesãos da comunidade. Foi um encontro rico em
humanidade onde se pôde refletir sobre a história e o legado da luta de Zumbi.
O mês de novembro, especialmente o dia 20, é considerado o Dia da
Consciência Negra. A data relembra a destruição do Quilombo dos Palmares e a
morte dos seus líderes, Acotirene, Ganga Zumba, Zumbi, Dandara e tantos guerreiros e guerreiras da liberdade. Essa luta
histórica remonta ao final do século XVII, precisamente no ano de 1695 acontece
o massacre do Quilombo dos Palmares. Foi o maior espaço de resistência de escravos durante
mais de um século no período colonial (1597-1704).
Por isso, para a maior parte dos movimentos de resistência e afirmação
do povo negro, que combatem o racismo, o dia 13 de maio, data oficialesca da
“libertação dos escravos” pela Princesa Isabel, não representa a memória do povo
negro. Isso porque, o 20 de novembro e a figura de Zumbi expressam melhor do
que qualquer coisa, a luta do povo negro, pois é a responsável pelo fim da
escravidão, e não a benevolência do Império decadente. Sabemos que em fins do
século XIX, a escravidão
era uma atividade econômica quase impossível. Não era mais rentável manter o
regime de escravidão. A generosidade da Princesa Izabel é desmascarada nos
tempos atuais. Isso reflete uma politização crescente do
tema. Vemos que o imaginário histórico abandonou de vez a referência à princesa
Izabel e à Lei Áurea, que sempre teve um caráter ambíguo e desmobilizador, em
benefício da mensagem combativa de Zumbi dos Palmares.
Foi na região, da província de Pernambuco, no final de século XVII, hoje
Estado de Alagoas, no meio de muitas palmeiras (origem do nome Palmares) que
surgiram os mocambos (quilombos) dos negros que fugiam da escravidão, dos
engenhos, em busca da liberdade. Zumbi surge numa época em que o açúcar era o
principal produto da economia colonial. Uma produção que garantia lucros à
coroa portuguesa e aos senhores de engenho no Nordeste brasileiro. A destruição
da República dos Palmares (Quilombo dos Palmares) se deve porque lá se promovia
uma sociedade sem o trabalho escravo, representando ameaças constantes ao
sistema escravista existente no Brasil. O fenômeno da quilombagem expressava
toda inteligência para resistir e lutar pela liberdade por parte do escravo.
No Quilombo dos Palmares não se incluem apenas negros fugitivos, mas também
índios perseguidos, mulatos e fugitivos da polícia, em geral, brancos pobres. O local chegou a
reunir até 30 mil pessoas no seu auge. Um conjunto de mocambos formava o grande
quilombo. Só para ter uma ideia: o maior mocambo chegou a ter 6 mil pessoas, quase
a mesma população do Rio de Janeiro à época.
A agricultura no quilombo era básica, obedecendo a um sistema coletivo
de trabalho, em que o milho, a mandioca, o feijão, a batata doce, a cana de
açúcar e a banana eram os principais produtos de subsistência. Com o surgimento
da metalurgia, a sociedade palmarina ficou dividia em camponeses, artesãos,
guerreiros e funcionários. Além da fabricação de utensílios para a agricultura
e para a guerra fabricaram também objetos artísticos em cerâmica e madeira. Até
hoje, o Quilombo Munquém, que fica no pé da Serra da Barriga tem essa
especialidade de trabalhar com o barro.
A luta dos negros e negras pela
sua verdadeira libertação, porém, não terminou aí. Findada a escravidão, a
população negra foi marginalizada e estigmatizada pelo racismo. Mais de cem
anos após o fim do regime de escravidão, a desigualdade entre negros e brancos
é gritante e vergonhosa. Dados recentes provam isso. A população negra é alvo
preferencial da violência policial nas periferias das grandes cidades. As
mulheres negras são as que mais sofrem a violência machista, e a média salarial
de negros e negras continua sendo muito inferior a dos demais trabalhadores.
Vivemos
em um país que envolve o destino de 54% da população brasileira. Neste ano de
2017, aconteceu um episódio que não deve passar em branco. A mobilização contra
o racismo ganhou um elemento explosivo a partir do escandaloso "Coisa de
Preto" de Willian Waack, que escancarou a hipocrisia da democracia racial
no Brasil. A TV Globo, sua principal fortaleza ideológica, foi questionada pela
sociedade. Já não é mais como antes. O zap deu conta de espalhar a notícia de
um crime cometido por um profissional de um grande meio de comunicação do país.
Qual
a mensagem que fica, finalmente das homenagens prestadas a Zumbi dos Palmares?
Certamente, é continuar firme na resistência e combater todo tipo de
descriminação. No Brasil, a visão de um país voltado para o desenvolvimento
humano foi substituída por programas de arrocho batizados de austeridade. A
recordação do passado ajuda a enfrentar os desafios do futuro. Um povo não pode
verdadeiramente enfrentar o seu futuro sem ter uma visão do seu próprio
passado.
A
iniciativa da UNICAP vem em um momento em que casos de racismo estão se acirrando. Depois da visita ao quilombo,
avaliou-se que o reconhecimento deste bem cultural é uma forma de combater a
discriminação racial e valorizar a cultura afro-brasileira em todas as suas
expressões.
Por fim, nossa homenagem a Dom José Maria Pires, que foi um dos grandes
bispos proféticos da Igreja brasileira. Era negro e sempre defendeu a causa dos
afrodescendentes. Foi-se mais um dos bispos proféticos que tanto nos faltam nos
dias atuais. Se estivesse vivo presidiria uma missa na UNICAP, no dia 20 de
novembro de 2017. Ele também foi o
grande animador da Pastoral afro-brasileira e do movimento dos padres e bispos
negros que ganhou espaço e amplitude na vida da Igreja do Brasil e também da
América Latina e do Caribe, através do CELAM.
Com a ida, ao Quilombo dos Palmares, os estudantes
universitários, juntamente com professores e funcionários da UNICAP, perceberam
que a formação deve mobilizar todas as dimensões do ser humano. O atual Padre
Geral dos jesuítas, Artur Sosa, ao passar pela UNICAP, lembrou que “somente uma
mística profunda pode ajudar cada ser humano em sua integridade, no meio de uma
sociedade fragmentada, dispersa e plural”.
*
Doutorando em
Ciências da Religião pela UNICAP e Mestre em Antropologia pela UFPE; Licenciado
em Filosofia pela UNICAP; Bacharelado em Filosofia pela UNICAP e Bacharelado em
Teologia pelo Instituto de Teologia do Recife - ITER; Especialista (SENAC) e
docente (UNICAP) em EaD; prof. do Curso de Teologia na UNICAP e integrante do
Instituto Humanitas - IHU UNICAP; prof. Extensionista; pesquisador do Grupo de
pesquisa UNICAP/CNPq Religiões, identidades e diálogos, na linha de pesquisa
Diálogos inter-religiosos; membro do Grupo de Peregrinas e Peregrinos do
Nordeste – GPPN. Email: arturperegrino@gmail.com
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