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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

REFORMA: 500 ANOS DE RUPTURA E COMUNHÃO


  Por Maria Clara Lucchetti Bingemer



             Em 31 de outubro comemoraram-se os 500 anos de um fato que marcou e redirecionou a história do Cristianismo.  Martinho Lutero, monge agostiniano alemão, tornou públicas as 95 teses através das quais protestava contra vários procedimentos da Igreja Católica, sobretudo a venda de indulgências.  Começava aí o movimento protestante.

            Outra versão dos fatos diz que Lutero afixou suas teses à porta da Igreja do Castelo de Wittberg, na Alemanha. Mas segundo indicam pesquisas mais recentes, ele simplesmente as enviou a seus superiores.  Elas então começaram a circular e a movimentar os ânimos dentro da Igreja.  E a ganhar adeptos.  Tanto que se tornaram outra Igreja, diferente da católica, e deram lugar ao movimento chamado Reforma. 

            O protestantismo é caracterizado por algumas afirmações que diferem da proposta católica.  Entre estas se destacam o que se chama comumente em Teologia as três “solas”: Sola fides, sola gratia, sola Scriptura.  Ou seja, só a fé, só a graça, só a Escritura. 

            Sola fide, ou só a fé significa que a justificação, realizada somente por Deus, é recebida apenas e unicamente pela fé, sem qualquer interferência ou necessidade de atos e iniciativas humanas, mesmo boas.  No entanto, na teologia protestante clássica, a fé que salva é sempre evidenciada pelas boas obras, que são seu fruto.  

Afirmando a primazia da fé, o protestantismo se contrapõe ao princípio católico baseado sobretudo na Epístola de Tiago de que “a fé sem obras é morta”.  Entende-se aí que o que salva são as boas obras e não a fé sem as obras.  

            Ao defender a primazia absoluta da fé que só pode crer e jamais produzir a salvação, Lutero se coloca frontalmente contra o poder das indulgências e orações que nada acrescentariam à obra que só Deus pode realizar no ser humano ao mesmo tempo justo e pecador, que seria a sua justificação. 

            Sola gratia ou só a graça é o ensinamento de que a salvação vem por graça divina , sem nenhum mérito por parte do ser humano e não como algo que este, pecador, merece.  A salvação é um dom imerecido que Deus dá por causa de Jesus.  Esta doutrina é o oposto do que seria a doutrina católica das boas obras, pelas quais o fiel pecador se aperfeiçoaria e adquiriria méritos purificadores que o aproximaria de Deus.  Para o protestantismo da Reforma, Deus é o único que age na graça, e por isso a graça é sempre eficaz, pois vem d´Ele e não tem qualquer cooperação por parte do ser humano. 

            Novamente estão aqui a graça divina e as obras em contraposição, afirmando o protestantismo de Lutero que a única iniciativa da salvação provém de Deus por sua graça e que o ser humano não pode “trabalhar” por sua própria salvação, devendo apenas acolhê-la como dom imerecido. 

            Sola Scriptura ou só a Escritura é o ensinamento de que a Bíblia é a única palavra autorizada e inspirada por Deus, e constitui a única fonte para a doutrina cristã, sendo acessível a todos.  Lutero beneficiou-se da então recente descoberta de Gutenberg, a imprensa escrita, e multiplicou as cópias da Bíblia impressa em alemão, devolvendo-a às mãos dos fiéis.  O protestantismo afirma igualmente que a Bíblia não exige interpretação fora de si mesma, ao passo que o catolicismo ensina que a Bíblia só pode ser autenticamente interpretada pelo magistério da Igreja, composto pelo Papa e pelos bispos sucessores dos apóstolos.  

            Enquanto os protestantes nas Escolas Dominicais aprofundavam-se na leitura e conhecimento da Sagrada Escritura, os católicos deviam contentar-se com as histórias sagradas que forneciam algo, uma pequena parcela, do conteúdo bíblico, já que o texto literal não era posto em suas mãos. Isso era livre exame e, portanto, “coisa de protestante”. 

            O Concílio Vaticano II, ocorrido em meados do século XX, reviu a atitude e as posições do catolicismo, sobretudo em relação à Escritura e, seguindo o movimento bíblico que já acontecia em seu interior, recomendou o uso e o estudo da Escritura por parte dos fiéis católicos.  Assim, houve uma disseminação enorme dos círculos bíblicos, grupos de estudos bíblicos e a Escritura passou a fazer parte do cotidiano dos católicos. 

            O Concílio igualmente, em mais de um de seus documentos, reconhece a necessidade e mesmo a urgência do ecumenismo, que consiste na aproximação entre católicos e protestantes, chamados a buscar mais o que os une do que aquilo que os separa com vistas a construir maior comunhão que resulte na única Igreja de Cristo. 

            Hoje, 500 anos depois, aqui estamos nesta luta bonita de construir comunhão.  Gratos somos os católicos à Reforma de Lutero, que abriu as portas para  maior liberdade dentro da Igreja e tanto fez por maior aproximação nossa da Palavra de Deus.  Felizes são igualmente os protestantes, que em um diálogo sempre maior com a “Católica” e Universal Igreja de Cristo Senhor e Salvador, alargam seus horizontes e vivem uma salvação livre e discernida, mas igualmente feita sinal e sacramento para o mundo inteiro. 

            De minha parte, só tenho a agradecer à Reforma de Lutero, que formou na retidão da fé e da justiça o homem que é meu esposo há quarenta e oito anos.  E que igualmente me deu os magníficos alunos, mestrandos e doutorandos que tive a graça de conhecer nestes mais de 30 anos de magistério teológico.  Celebremos os 500 anos da Reforma.  Os motivos são muitos, sólidos e belos.  Soli Deo Gloria!
  
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A   teóloga é autora de “O mistério e o mundo”  (Editora Rocco).
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