Por Marcelo
Barros
No domingo
passado, em Roma, o papa Francisco encerrou uma Semana especial de comunhão e
solidariedade com os pobres para cumprir a proposta de, a cada ano, no domingo
anterior à festa de Cristo Rei, todas as comunidades católicas celebrarem
"o dia mundial dos pobres". Nesse ano, o tema escolhido para a
reflexão foi a palavra da carta de João: "Não amemos somente com
palavras...".
Mesmo
dentro da Igreja, grupos tradicionalistas acusam o papa de
"pauperismo", uma preocupação exagerada com os pobres que, em si, a
Igreja sempre ajudou, mas não deveria fazer disso seu único discurso. Mesmo
consciente dessas críticas, o papa Francisco se mantém fiel à sua opção
profética de lembrar ao mundo que o único caminho para a paz é a solidariedade
e a superação do egoísmo e desumanidade de uma sociedade dominante que só visa
o lucro. Na sua carta sobre a alegria do evangelho, ele escreveu: "Às vezes, sentimos a tentação de ser
cristãos mantendo uma distância prudente das chagas do Senhor. Jesus quer que
toquemos na miséria humana, na carne sofredora das pessoas. Ele espera que
renunciemos à tendência de ficar distantes dos dramas humanos. Devemos nos
manter ligados à vida dos outros. Assim, conheceremos a força da ternura. Ao
fazermos isso, a vida se complica, mas é maravilhoso e vivemos a experiência de
ser povo" (EG 270).
Aos
cristãos que se perguntam se isso seria missão de uma comunidade cristã, o papa
responde: "A Igreja é a única
sociedade que existe para aqueles que não fazem parte dela". É o que
ele chama de "Igreja em saída"
(E G 24).
Nesses dias,
o comitê internacional que prepara o próximo Fórum Social Mundial confirma: A
forma de organizar o mundo a partir do Capitalismo e da competição está
fracassando. A concentração da riqueza nas mãos de apenas sessenta ricos do
mundo, o desemprego estrutural provocado por esse modelo de desenvolvimento e a
destruição da Terra e da natureza determinam um aumento da insegurança que toma
conta das cidades. Isso põe em risco o futuro do planeta e da vida sobre a
terra.
No Brasil, o
governo e o congresso nos fazem
retroceder às leis existentes antes da abolição da escravatura. Os meios de
comunicação social repetem mentiras sobre a necessidade da reforma da
previdência. As privatizações a entrega das riquezas nacionais nas mãos do
Império e das empresas multinacionais se multiplicam. Diante de tudo isso, os
movimentos sociais e as comunidades de base resistem insistindo: "Nenhum
direito a menos".
Mesmo sendo
vítimas de uma cada vez maior escalada de violências, os povos indígenas
propõem para toda a humanidade um caminho novo: reorganizar as sociedades a
partir do paradigma do Bem-viver. Nos morros cariocas e nas periferias de
nossas cidades, jovens formam grupos musicais de reggae e hip-hop e criam um
ambiente de solidariedade e uma cultura de resistência. Mesmo em meio a riscos
de vida e a um ambiente de muita violência, esses grupos alternativos revelam
que o amor é possível e, mesmo depois de todos os perigos, as luzes se acendem
na madrugada do mundo. Essas pessoas e seus grupos escutam ainda hoje aquilo
que, conforme o evangelho, Jesus disse aos discípulos. Após lavar os seus pés,
Jesus afirmou: "Vocês serão felizes se fizerdes uns com os outros isso
mesmo que eu fiz a vocês: abaixar-se diante dos outros e os servir" (Cf.
Jo 13, 17).
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26 livros dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede-Loyola, 2003. Email: mostecum@cultura.com.br
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