Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Há alguns dias li esta frase e pareceu-me
haver sido pronunciada por Francisco: optar pelos pobres é compartilhar
impotências. Agora, procurando para escrever este artigo, não encontro
mais a fonte para confirmá-la. Isso não me preocupa, pois se não é dele,
poderia ser. Este que instituiu o Dia Mundial dos Pobres parece conhecer
bem sua impotência em melhorar a sorte daqueles que são golpeados pela pobreza
e a indigência. Escolhe, então, partilhar com eles sua própria impotência
atravessada pelo amor.
No Dia Mundial dos Pobres, o Papa quer proclamar o valor
salvífico dos pobres ao mesmo tempo em que denunciar a indiferença com relação
a eles. Quer chamar a atenção de todos aqueles que se dizem discípulos de
Jesus para a centralidade do pobre no anúncio evangélico e para a identificação
do Senhor com esses irmãos menores e mais pequeninos. E quer denunciar a
sociedade atual que os exclui e oprime.
Muitos se perguntam: por que um dia dos pobres? Não
deveria ser todo dia? É fato que todos os dias deveríamos prestar especial
atenção aos mais vulneráveis e necessitados. Mas instituir um dia para se
valorizar o pobre, mentalizar sua importância e seu lugar privilegiado no plano
da salvação significa provocar e convocar mentes e corações de todos para a
inaceitável realidade da pobreza, que é fruto da injustiça humana e não da
vontade de Deus.
No dia marcado para essa “celebração” dos pobres – no último
domingo, 19 de novembro - Francisco celebrou com eles uma Eucaristia e ofereceu-lhes
um grande almoço, do qual participou.
Assim, pôs em prática um dos
elementos característicos de sua espiritualidade: não basta dar coisas ou
esmolas distantes e longínquas aos pobres. É preciso estar com eles,
próximo a eles, partilhando com eles o pão da palavra, o pão eucarístico e
também o pão material do qual carecem. Importa conversar com eles,
escutá-los e deixar-se ensinar por esses mestres que a vida formou duramente e
que têm imensa sabedoria para partilhar conosco, enriquecendo-nos com dons
inimagináveis.
Pronunciou também uma homilia na qual destacou a configuração de
responsabilidade do amor de Deus para conosco. O amor de Deus nos cumula de
dons e talentos. Mas nos responsabiliza por eles. E a maior desde
sempre é a responsabilidade pelo outro, pelo irmão. Não à toa, a Bíblia
começa com o relato de Caim e Abel. Diante do assassinato do irmão,
interpelado por Deus: “Onde está teu irmão?” Caim responde:” Por acaso sou o
guarda do meu irmão?”
É contra essa mentalidade que Francisco institui o Dia dos
Pobres. Deseja conscientizar-nos de que somos sim, guardiões do irmão,
responsáveis pelo irmão e sua vida. Se o irmão não puder viver plenamente ou
dignamente, somos responsáveis. Não podemos dizer que nada temos a ver
com isso, que não nos diz respeito. Todos estamos implicados nesse sistema
iníquo que enriquece desmesuradamente alguns às custas da multiplicação
desenfreada de pobres, miseráveis, famintos, refugiados e todas as deformações
que desfiguram a humanidade.
Francisco
deseja conscientizar-nos de que “os pobres não são um problema: são um recurso
para acolhermos e vivermos a essência do Evangelho.” São abertura privilegiada
e segura de nosso caminho para Deus. Partilham conosco a fome de Deus e o
desejo de ser alimentados pelo pão da vida. Porque “dele precisamos todos nós, ninguém é excluído, porque todos somos
mendigos do essencial, do amor de Deus, que nos dá o sentido da vida e uma vida
sem fim.” Portanto, reconhecendo-nos pobres com os pobres, aproximamo-nos
sempre mais do Deus da vida, que se fez pobre para enriquecer-nos com seus
dons.
Na homilia da Eucaristia celebrada no último domingo, ao
comentar o Evangelho dos talentos, Francisco falou sobre o pecado de omissão,
tão presente em nossa sociedade. A três servos foram dados
talentos, moedas. Dois os multiplicaram e fizeram frutificar em
benefício dos outros. Um enterrou seu talento e se omitiu. Deixou
de fazer o mal. Mas deixou igualmente de fazer o bem.
Neste momento, Francisco chamou a atenção para uma
desculpa que é constante em nosso pecado de indiferença. Não faço mal a
ninguém, não roubo, não mato, não é por minha culpa que os pobres não têm como
viver. Devo cuidar dos meus e que cada um faça o mesmo. Não basta não
fazer mal. É preciso amar e fazer o bem aos queamamos e aos que Deus ama com
predileção: seus filhos mais necessitados. Somos responsáveis por eles e
elas. Somos seus guardiões. A eles devemos nossa atenção, carinho,
serviço. E não menos a eficiência de nosso agir em seu favor.
O servo fiel da parábola é aquele que tudo arriscou
para multiplicar seus talentos e fazer acontecer a fecundidade do amor.
Só descuidou do seu próprio interesse, sendo esta a única omissão válida,
lembra Francisco. O amor não deve pôr-se somente em palavras, mas
visibilizar-se em atos e obras. Assim lembra a 1ª Carta de João; assim
ensina Santo Inácio de Loyola, mestre de Francisco, na Contemplação para
alcançar amor, último de seus Exercícios Espirituais; assim relembra Francisco
ao instituir e celebrar o Dia Mundial dos pobres.
Maria Clara Lucchetti Bingemer,professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga e autora Testemunho: profecia,
política e sabedoria, Editora PUC-Rio e Reflexão Editorial.
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