por Marcelo
Barros
Há poucos dias, entrou em vigor no
Brasil o que o governo chama de "Reforma Trabalhista" que dá razão ao
multimilionário americano que declarou: "A guerra de classes existe e
finalmente a minha ganhou". No Brasil, foi para garantir essa vitória do
Capital financeiro sobre as classes trabalhadoras que os poderosos se uniram,
adaptaram para si todas as leis e realizam hoje as diversas reformas
necessárias para garantir o domínio absoluto do mercado. Esse modelo de
desenvolvimento atualiza quase ao pé da letra um antigo mito grego. Esse falava
do rei Midas que transformava em ouro tudo o que tocava. Hoje, os capitalistas
transformam a terra e a água em mercadorias. O trabalhador se transforma em mão
de obra ou recursos humanos. E até a guerra se torna fonte de lucro. As
consequências disso são o aquecimento da temperatura, a desertificação da
Terra, a água contaminada e a própria vida ameaçada de extinção.
Em reação a isso, cada vez, aumenta
o número de comunidades e movimentos humanitários no mundo que insistem em contestar
esse dogma do pensamento único e mostrar que outro modo de organizar o mundo
não somente é necessário, como é possível e urgente. No Brasil, a Associação
Brasileira das Organizações Não Governamentais (ABONG) instituiu o que chamou
de "Banco de Práticas Alternativas" (Ver www.observatoriosc.org.br) Concretamente, essa iniciativa reúne
experiências de comunidades que realizam experiências alternativas de economia
solidária e comunitária que têm dado certo. Quem entrar no site da internet
descobrirá mais de 80 experiências belas e profundas nos campos da agricultura,
da gestão comunitária e da convivência com a Terra.
No cotidiano das cidades, na Europa
e na América Latina, diversas entidades procuram desenvolver nas pessoas o hábito do “consumo crítico”. Ao contrário
do que pregava um ministro da economia do tempo da ditadura brasileira,
dinheiro tem cheiro, cor e sabor. Tem até coração. Pode ser instrumento de
misericórdia ou ser provocador de morte. Quem compra um produto ou consome uma
marca deve verificar se a empresa que a produz respeita os direitos dos
trabalhadores ou se explora o trabalho infantil, ou ganha dinheiro com a venda
de armas e com a destruição da natureza.
Mísseis nucleares que, em uma fração
de segundos, podem destruir a humanidade e a Terra, são produzidos pela mesma General Eletric de nossas lâmpadas
caseiras. O combustível para o exército americano matar inocentes nos diversos
países que invade é fornecido pela Esso, empresa que também abastece de
gasolina nossos carros. E é com o dinheiro ganho de seus milhões de pequenos
clientes como nós que ela acumula dinheiro e poder para ser fornecedora dos
aviões militares. As empresas mineradoras que destroem a Amazônia e provoca o
envenenamento dos rios nos diversos continentes são as mesmas que vendem as
pratas e joias nos shoppings de nossas cidades.
Se essas empresas e todas que apoiam
guerras, ignoram a justiça social e provocam destruição ecológica souberem que
a sociedade civil consciente não comprará mais seus produtos, serão obrigadas a
mudar.
Há décadas que Hollywood invade o
mundo com filmes de terror barato, como a antiga série “Brinquedo Assassino”. Nesses filmes, à noite, quando as portas das
lojas de brinquedo se fecham, um simples boneco de plástico ganha alma e
aprisiona ou mesmo assassina seus usuários. Apesar do mau gosto, parece
parábola desta sociedade na qual mercadorias aprisionam afetiva e
economicamente seus consumidores e nos impõem um tipo de sociedade que não
queremos. E como o aprendiz de feiticeiro da antiga lenda, as pessoas sabem
acionar computadores, navegar na Internet, investir suas poupanças, mas não
parecem saber como recuperar a natureza ferida e restituir vida a multidões
ameaçadas pela morte.
A maioria das religiões antigas
valoriza o jejum e a abstinência como instrumentos de purificação interior e
educação do auto-domínio. Os antigos pais da Igreja ensinavam: tudo o que sobra
em nossa mesa e na casa pertence de direito a quem precisa daquilo para viver.
Está na hora das pessoas e grupos que amam a Paz e crêem no Amor se
reorganizarem. É urgente fortalecer e mobilizar, o mais possível, a sociedade
civil. E tanto por uma postura de sanidade espiritual como por profecia
sócio-política intensificar o consumo
crítico e um modo de viver mais justo e sadio. Na sua encíclica sobre o cuidado
com a Terra, nossa casa comum, o papa Francisco nos pede uma verdadeira "conversão ecológica".
No ano passado, ele instituiu o dia 19 de
novembro como "dia mundial dos pobres". Para esse ano, foi escolhido
o tema: "Não amemos somente com
palavras". O amor exige mudança de atitudes na direção da
solidariedade. De fato, segundo o
evangelho, Jesus nos diz: "Onde
estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração" ( Mt 6, 21).
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26 livros dos quais o
mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede-Loyola, 2003.
Email: mostecum@cultura.com.br
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