Por Frei
Betto
A Oxfam Brasil divulgou, em setembro último, o informe “A distância que nos
une — um retrato das desigualdades brasileiras.” Entre os dados
preocupantes se destaca que apenas seis bilionários brasileiros acumulam riqueza igual à da metade mais pobre da população, cerca
de 100 milhões de pessoas.
Apesar
dos avanços das políticas sociais na última década, o Brasil ainda é um dos
países mais desiguais do mundo. Mais de 16 milhões de pessoas vivem abaixo da
linha da pobreza.
Segundo o informe, os 47 milhões de brasileiros que ganham um salário mínimo
por mês precisam trabalhar quatro anos para ganhar o mesmo que recebem, em um
mês, os privilegiados que formam 1% da população. E demorariam 19 anos para
juntar o equivalente a um mês de renda média do segmento 0,1% mais rico.
Se for mantida a tendência dessa injusta distribuição de renda dos últimos 20
anos, as mulheres brasileiras terão renda igual à dos homens somente em 2047,
ou seja, daqui a 30 anos. E a população negra conseguirá ganhar o mesmo que a
branca somente em 2089, ou seja, daqui a 72 anos!
Se a redução da desigualdade de renda permanecer no ritmo médio constatado
desde 1988, o Brasil levará 35 anos para alcançar o atual nível de desigualdade
de renda do Uruguai, e 75 anos para alcançar o patamar da Inglaterra.
“Precisamos falar sobre as nossas desigualdades e os caminhos existentes para
reduzi-las. Se no mundo a desigualdade já nos causa espanto, no Brasil essa
situação é ainda mais dramática”, afirmou Katia Maia, diretora da Oxfam Brasil.
Para ela, a situação nacional é “inadmissível” e precisa ser enfrentada por
toda a sociedade para, de fato, ser solucionada. “Existe uma distância absurda
entre a maior parte da população brasileira e 1% mais rico, não apenas em
relação à renda e à riqueza, mas também ao acesso a serviços básicos, como
saúde e educação. Atacar essa questão é responsabilidade de todos”, ponderou
Katia Maia.
O que já é absurdo, entretanto, pode piorar. A diretora da Oxfam Brasil
enfatizou que estimativas do Banco Mundial indicam que, ainda neste ano de
2017, até 3,6 milhões de brasileiros devem voltar para a situação de pobreza,
devido aos retrocessos do governo Temer em matéria de políticas sociais.
Segundo a Oxfam Brasil, se o governo brasileiro acabasse com a “isenção sobre
lucros e dividendos ao exterior, e juros sobre capital próprio” poderia
aumentar em R$ 60 bilhões a arrecadação do país, valor igual a duas vezes o
orçamento da União para o Programa Bolsa Família ou quase três vezes o
orçamento federal para a educação básica.
Nosso atual sistema tributário reforça as desigualdades. “O efeito da
tributação no Brasil é, no geral, de aumentar a concentração da renda ou, no
mínimo, não a alterar. Trata-se de uma situação já resolvida na maioria dos
países desenvolvidos (onde a tributação, de fato, distribui renda), e que
compõe barreira estrutural na redução de desigualdades no Brasil. Apesar de
nossa carga tributária bruta girar em 33% do PIB – nível similar ao dos países
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – ela é
mal distribuída, de modo que os mais pobres e a classe média pagam muito mais
impostos proporcionalmente que pessoas com rendas muito altas”, afirma um
trecho do relatório.
Segundo Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, a trajetória
de redução de desigualdades que vinha desde 1988 foi interrompida e o país está
hoje “dando muitos passos para trás na garantia de direitos à população”.
“Enquanto isso, a concentração de renda e de patrimônio continua intocável. Se
não enfrentarmos essa situação, vai ser ruim para todos no país, mas
principalmente para quem pouco ou nada tem para se proteger”, afirma.
Frei Betto é escritor, autor de
“Ofício de escrever” (Anfiteatro/Rocco), entre outros livros.
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