Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
A maternidade já não é mais encarada pela mulher como um destino que se abate
sobre ela quando seu corpo dá o sinal vermelho da menstruação de que é possível
engravidar. Assim como no passado meninas ficavam grávidas dentro ou fora
do casamento na mais tenra idade, desde o advento dos anticoncepcionais o tempo
da mulher para acolher em seu corpo a semente de uma nova vida vem sendo
alterado.
As
mulheres devem tomar outras providências antes de serem mães, pensa a nova
geração. Terminar os estudos, ter uma carreira, ganhar dinheiro, ter
proventos suficientes para sustentar-se com tranquilidade passam na frente
cronologicamente de trazer um filho ao mundo. E a maternidade vai sendo
adiada. Parece que o número de mulheres que engravida após 40 anos aumenta
significativamente e algumas celebridades – como Ivete Sangalo – grávida de
gêmeas aos 45 anos – confirma essa tendência.
É inegável que o feminismo foi uma revolução altamente positiva para as
mulheres. Levantar a questão sobre a subordinação da qual a mulher é
vítima em uma sociedade patriarcal, conscientizá-la sobre os papéis que lhe
foram atribuídos secularmente e estimulá-la a lutar por seus direitos foram
avanços inegavelmente valiosos. E mesmo se hoje podemos tecer algumas
críticas à configuração do feminismo da “primeira onda”, com suas
reivindicações radicais, sua linguagem um tanto antimasculina e suas propostas
antifamiliares e voltadas quase que somente para o trabalho e o salário, o fato
é que o mundo seria outro se não tivesse havido a revolução feminista.
E, no entanto, apesar de tudo o que de positivo essa escola de pensamento
trouxe para a sociedade de hoje, o mesmo feminismo, ao reler-se, descobre alguns
pontos críticos no sistema de pensamento que criou e inclusive no impacto que
teve na sociedade. Camile Paglia, conhecida pensadora feminista, em entrevista
dada no Brasil, afirmou: “Muitas feministas de minha geração se opuseram com
fervor a essa tendência de que as mulheres voltem a dedicar-se exclusivamente
ao papel de mãe, mas eu não estou nada de acordo com essas feministas".
E segue: “Desde o final da década de 1960, há uma depreciação de quem quer ser
mãe e mulher. Para mim, o feminismo é a luta por oportunidades iguais
para as mulheres. Ou seja, remover qualquer obstáculo que perturbe o
avanço na educação superior e no mercado de trabalho. O feminismo deveria
estimular escolhas e ser aberto a decisões individuais. As feministas
estavam erradas ao exaltar a mulher profissional como mais importante que a
mulher mãe e esposa. Uma geração inteira de profissionais americanas
adiou a maternidade e quando finalmente decidiu engravidar, não pôde encontrar
companheiro ou teve problemas de fertilidade. ”
Na verdade, a conhecida pensadora feminista afirma que faltou honestidade ao
feminismo com respeito à realidade biológica que as mulheres devem enfrentar se
querem unir maternidade a ambições profissionais. Neste caso, a natureza
entra em conflito com o idealismo moderno da igualdade sexual. As
feministas asseguraram às mulheres que haveria tempo suficiente para ter filhos
mais tarde, com 40 ou mesmo 50 anos, após a estabilidade profissional.
Por um lado, a ciência avança, a vida dura mais e há mais técnicas de
fertilização e acompanhamento pré-natal. Mas, por outro, é conhecido o
fato de que há mais riscos para a mãe e para a criança, à medida que a idade
biológica da primeira avança. A fertilidade, a energia, a saúde não são as
mesmas aos 20 e aos 40 anos.
Por isso, a infelicidade que muitas mulheres sentem hoje resulta, em parte, da
incerteza sobre quem realmente são e o que querem ser e construir nesta
sociedade materialista, obcecada com status e dinheiro, que espera que a mulher
se comporte como homem e ainda seja capaz de amar como mulher. A dificuldade de
encontrar parceiros passa um pouco por aí, com responsabilidades de ambos os
lados. Dos homens, que temem mulheres independentes, inteligentes e não
submissas. Das mulheres, que acham que podem tudo e se afastam da fonte
do verdadeiro poder que ninguém pode tirar-lhes, que é o de dar a vida.
O despertar para essa constatação às vezes acontece
tarde. Não à toa conhecemos mais de um caso em que a mulher parte para a
produção independente, fazendo-se inseminar e procriando sozinha com parceiro
desconhecido. Outras congelam os óvulos para engravidar quando
assim o desejarem: mais tarde, aos 40 ou 50 anos. Mas conseguirão? Será a mesma
coisa ter um filho assim e não no contexto de uma relação amorosa? Qual será o
perfil das crianças nascidas da maternidade adiada?
Ainda não temos distância histórica para avaliar
com precisão. No entanto, a avaliação sobre o feminismo hoje, embora muito
positiva em certos aspectos, não pode deixar de reconhecer honestamente que há
uma dimensão extremamente narcisista que se mostra com mais evidência.
Adiar a maternidade pode ser uma opção.
Porém, arriscada. Pode desembocar em uma realização feliz, mas também em
enorme frustração. Em todo caso, essa sociedade de maternidades tardias
produzirá famílias mais reduzidas, onde a presença de várias crianças, irmãos e
irmãs, não mais será a maioria. Uma geração de filhos únicos parece
apresentar-se em horizonte não muito distante. Haverá que saber se será
mais feliz do que a nossa ou do que a de nossos filhos.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de Testemunho:
profecia, política e sabedoria, Editora PUC-Rio e Reflexão Editorial.
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