Por Marcelo
Barros
A partir do
próximo domingo, as Igrejas cristãs mais antigas nos convidam a intensificar a
nossa esperança na realização do projeto divino no mundo. Um novo ano eclesial
começa com o tempo que se chama "Advento", ou seja a vinda do Senhor.
Nessas celebrações, os cristãos escutarão muitas vezes a palavra "vigilância". Os evangelhos pedem
que nos mantenhamos despertos e atentos. Atualmente isso se pode traduzir pela
capacidade de resistência. Principalmente, quando vivemos em uma sociedade
baseada na cultura da publicidade e da ilusão, resistir é uma dimensão
fundamental para uma vida sadia e justa.
Que outra
postura podemos ter como pessoas sensatas diante de um modo de organizar o
mundo que concentra a riqueza nas mãos de 60 ricos e deixa mais de dois bilhões
de seres humanos sem segurança alimentar e condições de uma vida digna? Como não ver que é a idolatria do mercado que
leva o governo norte-americano a romper com os acordos da ONU sobre o clima? Como
se dizer cristãos e não reagir a uma cultura individualista que estimula indiferença
frente ao sofrimento dos outros e gera cada vez mais desumanização e crueldade?
Para sermos
pessoas livres e assumirmos nossa responsabilidade por nós mesmos, uns pelos
outros e pelo cuidado com a natureza, se torna necessário resistir. Temos de dizer
Não à fatalidade dos que apregoam: "Não há alternativas. Tem de ser
assim". Temos de denunciar e combater uma forma de governar e fazer
política que se tornou comum e é cada vez mais contrária aos pobres e à maioria
do nosso povo. Lutamos contra o sentimento de impotência, gerado pelo fato de
sermos uma ínfima minoria que se levanta contra essa desordem dominante. Procuramos
nos organizar para resistir a todo tipo de injustiça e violência, assim como a
um modo de viver que explora e ameaça à natureza e à própria continuidade da
vida no planeta Terra.
Na cultura
vigente, se diz que alguém é resistente quando mostra condições físicas para
suportar uma longa caminhada ou para enfrentar um clima adverso ou vencer obstáculos
da natureza. Assim como existe uma resistência física individual, também no
plano comunitário, há uma energia espiritual que se expressa na resistência
social e política. Se não fosse assim, como compreender uma comunidade de gente
pobre, indefesa que resiste em uma ocupação rural ou urbana contra senhores que
se dizem proprietários e controlam a favor deles governo, juízes e polícia? Como
não somente sobreviver, mas ainda formar grupos de reggae em morros do Rio de
Janeiro e organizar comunidades de apoio à juventude pobre, vítima da guerra
entre o tráfico e uma polícia violenta?
No plano
social e político, resistir significa, em primeiro lugar, colocar em questão dogmas
e valores fundamentais da sociedade da acumulação e do consumo. Só faz isso
verdadeiramente quem aceita olhar a vida e a história sob um ângulo contrário
ao do sistema dominante. Essa forma de compreender a realidade corresponde à
justiça e à verdade. De fato, em uma sociedade desigual, para transformar a
realidade, é preciso assumir o ponto de vista e a perspectiva das pessoas que
vivem às margens e como vítimas da desigualdade social.
No Brasil,
grandes veículos de comunicação, assim como muitas das grandes empresas do
país, sempre encontram meios para não pagar impostos e diminuir encargos
sociais. No entanto, são essas redes de notícias que lideram a campanha contra
a corrupção, como se se tratasse de um mal isolado e fosse o único ou maior
problema do Brasil. Acham natural e honesto que apenas seis brasileiros tenham
uma riqueza correspondente à metade da população brasileira. Incentivam uma
organização social baseada na desigualdade monstruosa e injusta, enquanto enganam
a maioria do povo com a propaganda de uma pretensa guerra contra a corrupção.
Essa existe e deve ser denunciada, mas não se trata apenas uma questão moral. É
o rosto de um sistema perverso a ser combatido e transformado.
Para quem busca
um caminho espiritual, a Teologia da Libertação ensina a nos colocarmos junto
com os empobrecidos e contra a pobreza. Dessa forma, líderes espirituais como Confúcio, Buda, os profetas da Bíblia e Jesus realizaram
o seu itinerário para o amor divino. Por isso, se contrapor ao mundo dominante
se tornou um modo de se deixar conduzir
pelo Espírito. A resistência profética faz parte do DNA de todas as mais
antigas tradições espirituais e também do Cristianismo. A espiritualidade supõe
um estilo de vida baseado na solidariedade e na comunhão. Na carta aos cristãos
de Roma, capital do império, o apóstolo Paulo escreveu: "Não se conformem com esse mundo. Procurem se
transformar pela renovação da compreensão espiritual, para experimentar a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm 12, 2).
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26 livros dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede-Loyola, 2003. Email: mostecum@cultura.com.br
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