Por Frei Betto
O ser humano é ontologicamente gregário. Nasce como fruto de uma relação a dois, em família, e necessita em média doze anos de cuidados para se tornar um indivíduo autônomo. Sua identidade é moldada pelo olhar do outro. Freud e Lacan consideram que o olhar alheio é fundamental na constituição do sujeito. Desde o próprio nome, que a pessoa não escolhe, ao fato de se sentir amado, rejeitado ou odiado.
A solidão
não é para amadores. O primeiro requisito para suportá-la é o olhar que se tem
de si mesmo. Quem não se ama não a suporta. O filme “Uma noite de 12 anos”,
sobre o longo encarceramento de José Mujica, ex-presidente do Uruguai, em celas
solitárias, comprova que os valores éticos e políticos que abraçara o impediram
de enlouquecer.
Já os
políticos autoritários, imbuídos de baixa autoestima, necessitam de plateia
para se sentirem vivos. Trancados entre quatro paredes, sabem que, ao contrário
da afirmação de Sartre, o inferno não são os outros, está neles mesmos. Por
isso, urgem vir a público e, como dizia Chacrinha, atirar bacalhaus à claque.
Mentem, vociferam, agridem, ameaçam, desde que ocupem o proscênio o máximo de
tempo. Seus acólitos, desprovidos de qualquer senso crítico, adoram.
A
pandemia nos impõe o isolamento. Seja individual, seja em família, quem tem
condições de ficar em casa. Em um país tão injustamente desigual como o Brasil,
ficar em casa, para a maioria, é evitar a morte por doença para expor-se a ela
por fome.
Passados
quatro meses de quarentena, governos municipais e estaduais, pressionados pelo
poder econômico, iniciaram a flexibilização. E muitos que se encontravam
reclusos e já não suportavam o “cárcere” doméstico, passaram a surfar nessa
abertura.
Ainda que
contrariando leis e recomendações sanitárias, as aglomerações se multiplicam em
bares, restaurantes, parques e praias. E os donos das escolas particulares
batem o pé para que os governos permitam, o quanto antes, as aulas presenciais,
ainda que isso represente risco de contaminação para professores, funcionários,
alunos e suas respectivas famílias. O caixa fala mais alto que a ameaça de
caixão...
Observe-se
como age a fiscalização. Nosso aparato policial, (de)formado na lógica da
naturalização da diferença social, atua com rigor quando encontra aglomerações
nas periferias e nos bairros habitados por famílias de baixa renda. Porém, põe
luvas de pelica ao chegar aos redutos onde se comprimem aglomerados de classes
média e rica. No Brasil, todos são distintos perante a lei...
Tudo isso
incentivado por um presidente necrófilo, que sente prazer com a morte alheia, o
que os alemães definem como “Schadenfreude” (derivado de “Schaden”, dano, e
“Freude”, prazer). Por isso se justificam as denúncias às cortes internacionais
de Justiça de que, no Brasil, se comete um genocídio premeditado. A motivação
de Bolsonaro não é amar o seu povo, e sim armar e anular toda medida que
proteja a vida alheia, desde a obrigação de cadeirinha de bebê nos veículos aos
cuidados da saúde dos povos indígenas, do uso de máscara à obrigatoriedade de
possível vacina contra a Covid-19.
Reage,
Brasil!
Frei Betto é escritor, autor de “Conversa sobre fé
e ciência”, com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão (Agir/Nova Fronteira), entre
outros livros.
Frei Betto é autor de 68 livros, editados no Brasil e no
exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali os
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correio.
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