Marcelo Barros
Mais uma vez,
desde 1995, a data da independência do Brasil é marcada por manifestações
populares. Elas nos lembram que a
independência política, ocorrida em 1822 está incompleta. Para
verdadeira independência, um país deve garantir vida livre e digna para toda a sua
população. Isso supõe superar as desigualdades sociais e as injustiças delas
decorrentes. Por isso, a cada 07 de setembro, movimentos populares e pastorais
sociais da CNBB organizam o Grito dos Excluídos que se expressa através de
concentrações e caminhadas pelas ruas das cidades.
O Grito é um
gesto profético em defesa da justiça e do direito de todos. Em outros tempos,
bispos profetas se colocavam como voz dos que não tinham voz. Hoje os próprios
excluídos lutam para ter voz e vez no embate por uma plena cidadania. Neste
ano, sua celebração terá de ser através da internet e de forma mais processual.
No entanto, a crise social e sanitária imposta pela pandemia mundial de
covid-19 e os graves retrocessos sociais impostos pelo atual governo brasileiro
tornam ainda mais necessários o protesto e as manifestações da população
atingida. Por isso, a organização do Grito insiste em proclamar a preservação da vida em primeiro lugar. Opõe-se
a um modo de organizar a sociedade que aumenta as desigualdades e injustiças.
Neste ano, o lema do Grito será Basta de
miséria, preconceito e repressão! Queremos trabalho, terra, teto e participação!
Por todo o
Brasil, as milhares de pessoas envolvidas nas atividades do Grito manifestam
solidariedade aos quase 120 mil irmãos e irmãs mortos pela Covid 19. Denunciam o
descaso e indiferença com o qual o presidente do país e o seu governo têm
tratado a pandemia. Solidarizam-se às comunidades indígenas e remanescentes de
quilombos, especialmente, atingidas pela pandemia e vítimas da cruel omissão
das autoridades.
O Grito dos
Excluídos também faz referência à urgente necessidade de revogação da Emenda
Constitucional (EC) 95, o chamado Teto de Gastos. A tão falada crise econômica
não pode mais servir de justificativa para tirar direitos da população e
reduzir serviços públicos. Não é justo descarregar sobre a população mais pobre
as consequências do descuido do governo. Os trabalhadores e trabalhadoras não
podem continuar sendo penalizados pela ausência de políticas públicas, em todas
as áreas. Por isso, é urgente revogar essa emenda constitucional.
Pelo fato de
que, neste momento, ainda não podemos realizar o manifestações em praças
públicas, o coletivo que coordena estabeleceu que todo dia 7 de cada mês, será
um “Dia D do Grito”. De fato, o sistema de exclusão e de injustiças tem sido
constante. Por isso, se torna necessário que esta realidade seja denunciada e
combatida durante um tempo maior e através de diversas atividades que vão se
espalhar por este tempo a seguir.
Para todas as
pessoas que seguem tradições espirituais, é importante que a solidariedade com
os setores mais oprimidos e vulneráveis da sociedade seja considerado como
prioridade sagrada. Simone Weil, espiritual francesa da primeira parte do
século XX, afirmava: “Eu reconheço quem é de Deus, não quando me fala de Deus,
mas pelo seu modo de se relacionar com as pessoas e de lutar pela justiça no
mundo”.
Todos sabem que
o Brasil é o terceiro país do mundo em desigualdades sociais. Não poderemos
mudar essa realidade apenas com gritos, mas, de fato, o Grito dos Excluídos é
um movimento que se desdobra em iniciativas de organização dos trabalhadores e debates
políticos com propostas alternativas importantes para o país.
O que
caracteriza a fé judaica e cristã é a relação íntima entre a intimidade de Deus
e o cuidado com a justiça e a solidariedade. Nos evangelhos, Jesus insiste de
que não se pode separar o amor a Deus e o amor aos irmãos e irmãs. Ele revelou
a preferência divina por aquelas pessoas que o evangelho chama de “pequeninos e
objetos da predileção de Deus”. Ele as toma como companhia privilegiada em seus
contatos e refeições. E afirma: “Quem acolhe uma pessoas destas (excluída da
sociedade), é a mim que acolhe” (Mateus 25, 31 ss).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
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