Por Lusmarina Campos
Garcia
Os escândalos envolvendo
dois pastores e um padre esta semana em conjunto com o caso da menina de 10
anos na semana passada, mostram que o cristianismo no Brasil apodreceu
A pastora, cantora gospel
e deputada federal pelo PSD/RJ, Flordelis dos Santos de Souza, é acusada de ser
a mandante do assassinato do marido que foi executado pelos filhos. Com um
discurso moralizante “pela família”, “em favor da vida”, contra o aborto e as
relações homoafetivas, a “pastora” é acusada de manter relação incestuosa com
os filhos além de matar o marido. Foi eleita com o voto de pessoas evangélicas
ao cargo de deputada federal.
O pastor Everaldo
Pereira, que batizou o Bolsonaro no Rio Jordão e é presidente do PSC (Partido
Social Cristão), foi preso nesta sexta-feira (28), juntamente com dois de
seus filhos, acusado de ser o líder de uma “sofisticada organização criminosa”
que tem “o objetivo comum de desviar recursos públicos e realizar a lavagem de
capitais, dentre outros crimes”. De acordo com a delação do ex-secretário de
saúde Edmar Santos, o pastor Everaldo exercia influência sobre a CEDAE, o
DETRAN e a Saúde do Estado do Rio de Janeiro. A área de saúde, da qual foram
desviados milhões durante a pandemia, expondo a população do Estado a um maior
risco de contaminação e morte pelo coronavírus.
Outro grande defensor “da
vida”, o pastor Everaldo pode ser responsabilizado pela morte de tanta gente.
O padre Robson de
Oliveira está sendo investigado por suspeita de desvio de R$ 120 milhões de
doações dos fiéis. Ele foi extorquido em R$ 2,9 milhões para tentar impedir a
divulgação de alegados casos amorosos. O padre é o idealizador da construção da
Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO), que foi orçada em R$ 1,4
bilhões. Só o sino, importado da Polônia, custou R$ 6 milhões. A obra começou
em 2012, mas ainda não saiu dos alicerces.
Tal obra é administrada
pela AFIPE (Associação dos Filhos do Divino Pai Eterno) cujo presidente é o
padre. Outras três AFIPEs foram criadas e a suspeita do Ministério Público é
que existe um esquema bilionário de lavagem de dinheiro e enriquecimento
ilícito uma vez que as associações compraram inúmeros imóveis, dentre os quais
uma fazenda de R$ 100 milhões, avião, casa em condomínio fechado, casa na
praia, etc. A GAECO afirma que as três associações movimentaram entre 8 a 10
bilhões. Uma das linhas de investigação é de lavagem de dinheiro de empresários
e políticos. Um dos núcleos políticos recebeu das Afipes mais de 43 milhões.
Quatro crimes estão sendo investigados: apropriação indébita, lavagem de dinheiro,
falsificação de documentos e organização criminosa.
As igrejas cristãs têm se
constituído em verdadeiros antros de extorsão e agências do crime organizado.
Escondem a sua imundície por trás do discurso moralista “pró-vida”, “contra o
aborto”, “contra a homossexualidade”, “pela família”, enquanto suas ações
produzem mesmo é a morte, a injustiça, os abusos sexuais, a violência contra as
mulheres, contra a comunidade LGBTQI, contra outras religiões.
Em nome de Deus dão vida
ao diabo, ao demônio, ou seja, lá que nome se possa atribuir à concentração do
mal. Dizem-se evangelizadores, mas não proclamam nem pautam as suas vidas pelos
evangelhos. Matam, corrompem, enriquecem, constroem basílicas bilionárias ao
invés de construir casas para quem não as tem e investir o dinheiro para criar
condições de vida digna para o povo. Pervertem o evangelho colocando-o a
serviço do dinheiro e do poder político. Enganam o povo com uma espiritualidade
gospel e com a troca de “bênção” por doação. Dão ênfase à meritocracia, quando
o núcleo primordial do evangelho é a Graça.
Onde está a voz destes
líderes defendendo os indígenas, que estão sendo expulsos das suas terras
durante a pandemia? Onde está o seu canto denunciando os assassinatos
cotidianos nas favelas? Porque nada disseram quando chegamos aos 100 mil mortos
pela C0vid-19? Onde estão as orações pelas 120 mil famílias enlutadas? Onde
está a pregação fervorosa que aponta a desigualdade social como um problema
estrutural que não se resolve individualmente, mas apenas com política pública
de distribuição de renda, de riquezas, com reforma agrária e social? Cadê as
televisões destes líderes denunciando o racismo?
Estes líderes e o povo
que os têm como exemplo elegeram Bolsonaro.
É hora de parar. As
igrejas cristãs precisam fazer uma auto-crítica profunda se quiserem sarar;
precisam se repensar a partir de um diálogo franco e aberto com as mulheres,
com a comunidade lgbtqi, com pessoas especiais, com negras e negros, com
indígenas. O que precisamos é de um cristianismo libertário, que tome como
modelo a figura do Jesus profético, e que não se deixe moldar pelo capitalismo
financista, mas sim pela solidariedade e pelo compromisso com a construção de
uma sociedade e uma humanidade mais justa, igualitária, acolhedora das
diferenças e pacífica.
Lusmarina Campos Garcia é teóloga eco-feminista,
pastora luterana e pesquisadora no Programa de Pós-graduação da Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ. Compõe três grupos de pesquisa: Observatório do
Judiciário Brasileiro, Direito e Cinema e Teoria da Sociedade, Direito e
Política. Defensora dos direitos humanos, com ênfase na questão de gênero,
pronunciou-se na audiência pública do STF no contexto da ADPF 442 em defesa da
descriminalização do aborto. É atuante no movimento ecumênico desde a década de
1980.
Nenhum comentário:
Postar um comentário