*ARTIGO PUBLICADO EM JANEIRO DE 2004
Leonardo Boff
Hoje vivemos uma crise dos fundamentos de nossa convivência pessoal, nacional e mundial. Se olharmos a Terra como um todo, percebemos que quase nada funciona a contento. A Terra está doente e muito doente. E como somos, enquanto humanos também Terra (homem vem de humus=terra fértil), nos sentimos todos, de certa forma, doentes. A percepção que temos é de que não podemos continuar nesse caminho, pois nos levará a um abismo. Fomos tão insensatos nas últimas gerações que construimos o princípio de auto-destruição. Não é fantasia holywoodiana. Temos condições de destruir várias vezes a biosfera e impossibilitar o projeto planetário humano. Desta vez não haverá uma arca de Noé que salve a alguns e deixa perecer os demais. O destino da Terra e da humanidade coincidem: ou nos salvamos juntos ou sucumbimos juntos.
Agora viramos todos filósofos, pois, nos perguntamos entre estarrecidos
e perplexos: como chegamos a isso?
Como vamos sair desse impasse global? Que colaboração posso dar como
pessoa individual?
Em primeiro lugar, há de se entender o eixo estruturador de nossas
sociedades hoje mundializadas, principal responsável por esse curso perigoso. É
o tipo de economia que inventamos. A economia é fundamental, pois, ela é
responsável pela produção e reprodução de nossa vida. O tipo de economia
vigente se monta sobre a troca competitiva. Tudo na sociedade e na economia se
concentra na troca. A troca aqui é qualificada, é competitiva. Só o mais forte
triunfa. Os outros ou se agregam como sócios subalternos ou desaparecem. O
resultado desta lógica da competição de todos com todos é duplo: de um lado uma
acumulação fantástica de benefícios em poucos grupos e de outro, uma exclusão
fantástica da maioria das pessoas, dos grupos e das nações.
Atualmente, o grande crime da humanidade é o da exclusão social. Por
todas as partes reina fome crônica, aumento das doenças antes erradicadas,
depredação dos recursos limitados da natureza e um ambiente geral de violência,
de opressão e de guerra.
Mas reconheçamos: por séculos essa troca competitiva abrigava a todos,
bem ou mal, sob seu teto. Sua lógica agilizou todas as forças produtivas e
criou mil facilidades para a existência humana. Mas hoje, as virtualidades
deste tipo de economia estão se esgotando. A grande maioria dos países e das
pessoas não cabem mais sob seu teto. São excluidos ou sócios menores e
subalternos, como é o caso do Brasil. Agora esse tipo de economia da troca
competitiva se mostra altamente destrutiva, onde quer que ela penetre e se
imponha. Ela nos pode levar ao destino dos dinossauros.
Ou mudamos ou morremos, essa é a alternativa. Onde buscar o princípio
articulador de uma outra sociabilidade, de um novo sonho para frente? Em
momentos de crise total precisamos consultar a fonte originária de tudo, a
natureza. Que ela nos ensina? Ela nos ensina, foi o que a ciência já há um
século identificou, que a lei básica do universo, não é a competição que divide
e exclui, mas a cooperação que soma e inclui. Todas as energias, todos os
elementos, todos os seres vivos, desde as bactérias e virus até os seres mais
complexos, somos inter-retro-relacionados e, por isso, interdependentes. Uma
teia de conexões nos envolve por todos os lados, fazendo-nos seres cooperativos
e solidários. Quer queiramos ou não, pois essa é a lei do universo. Por causa
desta teia chegamos até aqui e poderemos ter futuro.
Aqui se encontra a saida para umo novo sonho civilizatório e para um
futuro para as nossas sociedades: fazermos desta lei da natureza,
conscientemente, um projeto pessoal e coletivo, sermos seres cooperativos. Ao
invés de troca competitiva onde só um ganha devemos fortalecer a troca
complementar e cooperativa, onde todos ganham. Importa assumir, com absoluta
seriedade, o princípio do prêmio de economia John Nesh, cuja mente brilhante
foi celebrada por um não menos brilhante filme: o princípio ganha-ganha, onde
todos saem beneficiados sem haver perdedores.
Para conviver humanamente inventamos a economia, a política, a cultura,
a ética e a religião. Mas nos últimos séculos o fizemos sob a inspiração da
competição que gera o individualismo. Esse tempo acabou. Agora temos que
inaugurar a inspiração da cooperação que gera a comunidade e a participação de
todos em tudo o que interessa a todos.
Tais teses e pensamentos se encontram detalhados nesse brilhante livro
de Maurício Abdalla, O princípio da cooperação. Em busca de uma nova
racionalidade.
Se não fizermos essa conversão, preparemo-nos para o pior. Urge começar
com as revoluções moleculares. Começemos por nós mesmos, sendo seres
cooperativos, solidários, com-passivos, simplesmente humanos. Com isso
definimos a direção certa. Nela há esperança e vida para nós e para a Terra.
(*) Leonardo Boff, teólogo e professor, é autor de mais de 60
livros sobre teologia, filosofia, espiritualidade, antropologia e mística
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