Maria Clara
Lucchetti Bingemer
Era
este o título de um livro de Afonso Celso, do ano de 1900. Era um texto
laudatório em relação ao Brasil, que cantava suas belezas, suas glórias e seu
brilho. A obra marcou época em nossa terra. Tornou-se leitura obrigatória
nas escolas secundárias brasileiras, e teve várias edições e traduções.
Passou a ser uma verdadeira cartilha de nacionalidade, um distintivo que
marcava a condição de brasileiro.
Mais
tarde, o livro e seu autor já não foram tão apreciados, sendo mesmo ridicularizados.
A visão acrítica e ingênua da positividade do país, sem perceber seus aspectos
sombrios, instigou as mentalidades mais críticas. Criou-se, a partir do
título da obra, a palavra "ufanismo", com o sentido pejorativo que os
dicionários Aurélio e Houaiss registram: vanglória desmedida, patriotismo
excessivo.
Muitas décadas mais tarde, o humorista e artista Ary Toledo fez um show com o
mesmo título: " Por que me ufano do meu país". Ali, entre
canções e piadas de sua autoria, o artista lançava farpas contra o Brasil da
ditadura militar, que cerceava a liberdade de pensar. E criticava
sobretudo a mania que o povo brasileiro tem de imitar os Estados Unidos,
assassinando a própria cultura e assumindo na dança, na música, nos gostos, os
hábitos norte-americanos.
Estamos em 2020, celebramos o 7 de setembro, festa nacional. Estamos na Semana
da Pátria e estou em situação de imensa dificuldade para ufanar-me do meu
país. Mas como sou brasileira de coração e descendência; como só tenho um
passaporte que me faz ficar horas em filas esperando agressivas e humilhantes
inspeções nas fronteiras de vários países do mundo; como não consigo não vibrar
quando ouço o hino nacional; quero e desejo encontrar razões para orgulhar-me
da pátria em que nasci e onde até hoje vivo. E confesso que está difícil.
O país passa por uma pandemia e conta mais de 120 mil mortos. Mergulhado
em luto e tristeza, não consegue vislumbrar uma solução a curto ou médio prazo
para a enorme catástrofe em que se encontra. Ao lado disso, a barca brasileira
flutua à deriva, sem que se consiga avistar com alguma nitidez onde está, o que
faz, ou mesmo quem é o timoneiro.
A corrupção nossa de cada dia, apesar da pandemia e da situação de
emergência, só faz crescer. A economia penaliza os pobres e faz projetos
emergenciais que não atendem as emergências. Essas, por sua vez, passaram
a ser pão de cada dia dos cidadãos desse chão. O Ministério da Saúde
encontra-se vacante há mais de 100 dias, enquanto a crise sanitária segue
grave. Os vários ministros que passaram pela pasta foram exonerados ou se
autoexoneraram, não suportando ser constante e implacavelmente desautorizados
pelo Executivo.
Até nossas riquezas e recursos naturais – abundantes e generosos –
encontram-se ameaçados: desmatamentos, queimadas, agressões constantes ao meio
ambiente, às reservas indígenas, contaminação de rios, loteamento da
Amazônia situada em boa parte no Brasil, embora seja composta por nove países e
constitua um patrimônio da humanidade.
Que razões tenho, então, para
ufanar-me de meu país? Deverei sentar-me e chorar, lamentando a sorte desta
terra onde nasci e que sempre amei? Não, se pensar nas centenas de voluntários
que organizam e distribuem cestas básicas nas comunidades mais carentes, onde
falta o alimento. Não igualmente se fixar meu olhar nos médicos e
profissionais da saúde que se arriscam a todo momento nos hospitais para salvar
vidas ameaçadas pela pandemia de Covid-19. Menos ainda se reparar no esforço
dos artistas que, impedidos pela crise sanitária de dar espetáculos em teatros
ou palcos, fazem lives pela rede ou mesmo cantam nos balcões e varandas das
cidades, aliviando a angústia de muitos.
O
melhor de meu país é o povo que nele vive. Gente que foi feita para brilhar e
não para morrer de fome, como diz Caetano Veloso. Gente que tem que lutar pela
vida com uma das mãos e reparte o pouco que tem com a outra. Gente que se
arrisca para que o outro tenha vida. Gente que é capaz ainda de cantar e
se alegrar mesmo em meio a tanta tristeza.
Essa
gente, esse povo, é a única reserva de esperança que o Brasil tem. É o
único motivo para dele "ufanar-se". Essa gente que não deixam
brilhar, mas apesar de tudo brilha em sua generosidade, solidariedade,
alegria. Por essa gente e com ela faz sentido celebrar a Pátria.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da
PUC-Rio e autora de "Mística e Testemunho em Koinonia"
(Editora Paulus), entre outros livros
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