Por Leonardo Boff
Vivemos
sob o Covid-19 tempos dramáticos que como um manto de sofrimento e de tristeza
se estende sobre toda a humanidade. A doença e a morte quase foram
naturalizadas em nosso país, dada a contaminação de milhões de pessoas e mais
de 133 mil foram já vitimadas, deixando famílias, parentes e amigos em
profunda prostração por não poderem se despedir, fazer o ritual do velório e o
viver o imprescindível luto.
Neste contexto temos que rezar à nossa boa e generosa Mãe Terra para
que tenha piedade de nós, seus filhos e filhas, apesar de todas as
ofensas e agressões que por séculos lhe temos inflingido. Ela não é vingativa.
Mas nos dá severas lições, como agora com o coronavírus, para aprendermos um
outro modo de habitar a Casa Comum, para nos relacionarmos com cuidado,respeito
e veneração para com ela, nossa Magna Mater, Grande Mãe, Pacha Mama e Gaia.
Nesse espírito de súplica humilde e com os olhos marejados de lágrimas
que fiz esta oração:
“Terra minha
querida, Grande Mãe e Casa Comum!. Vieste nascendo lentamente, há milhões e
milhões de anos, grávida de energias criadoras.
Teu corpo, feito de pó cósmico, era uma semente no ventre das grandes
estrelas vermelhas que depois explodiram, te lançando pelo espaço ilimitado.
Vieste aninhar-te, como embrião, no seio de uma estrela ancestral, no
interior da Via-Láctea, transformada depois em Super Nova. Ela também sucumbiu
de tanto esplendor. Era o primeiro Sol.
E vieste então parar no seio acolhedor de uma Nebulosa, onde
já, menina crescida, perambulavas em busca de um lar. E a Nebulosa se adensou
virando o nosso Sol, esplêndido de luz e de calor.
Ele se enamorou de ti, te atraiu e te quis em sua casa, junto com Marte,
Mercúrio, Venus e outros filhos e filhas, os planetas. E celebrou o esponsal
contigo. De teu matrimônio com o Sol, nasceram filhos e filhas, frutos
de tua ilimitada fecundidade, desde os mais pequenininhos, bactérias,
vírus e fungos até os maiores e mais complexos seres vivos. E como expressão
nobre da história da vida, nos geraste a nós, homens e mulheres com
inteligência, amorosidade, solidariedade, veneração e cuidado.
Através de nós, tu, Terra querida, sentes, pensas, amas, falas e
veneras. E através de nossos olhos contemplas o céu estrelado onde estão tuas
irmãs e teus irmãos. E continuas crescendo, embora adulta, para dentro do
universo rumo ao Grande Atrator que outro não é senão o Seio do Deus-Pai-e-Mãe
de infinita ternura. Dele viemos e para ele retornamos com uma implenitude que
só Ele pode preencher. Queremos, ó Deus, Pai e Mãe de bondade, mergulhar em Ti
e estar em eterna comunhão de amor contigo para sempre junto com a Mãe Terra.
E
agora, Terra querida, pensando em todos os sofredores do mundo afetados pelo
Covid-19, realizo o gesto de Jesus na força de seu Espírito. Como ele, cheio de
unção, te tomo em minhas mãos impuras, para pronunciar sobre ti a Palavra
sagrada que o universo escondia e tu ansiavas por ouvir:
“Hoc
est corpus meum: Isto é o meu corpo. Hoc est sanguis meus:
Isto é o meu sangue” E então senti: o que era Terra se transformou em
Paraíso e o que era vida humana se transfigurou em vida divina. O que era
pão se fez corpo de Deus e o que era vinho se fez sangue sagrado.
Finalmente,
Terra, com teus filhos e filhas chegaste em Deus. Te fizeste divina por
participação. Enfim em casa.
“Fazei
isso em minha memória“. Por isso, de tempos em
tempos,especialmente neste momento em que todos teus filhos e filhas sofrem sob
a ação perigosa do Covid-19, cumpro o mandato do Senhor. Pronuncio a palavra
essencial sobre ti, Mãe querida, e sobre todo o universo. E junto com ele
e contigo nos sentimos o Corpo de Deus, no pleno esplendor de sua glória.
Amém,amém,Alleluia”.
Leonardo Boff é ecoteólogo e escritor e escreveu: “O parto doloroso da Mãe Terra: a nova etapa da Terra e da
Humanidade” a sair no final do ano pela Vozes e a sair em
breve:O Covid-19:um contra-ataque da Terra à Humanidade” também
pela Vozes.
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