Frei Betto
A data de 5 de junho comemora o Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente. O
que celebrar em nosso país se, em 2019, foram desmatados no Brasil 1.218.708
hectares (12.187 km²), sendo que 63% na Amazônia, segundo o Relatório Anual do
Desmatamento do MapBiomas 2020.
É considerado desmatamento a supressão total ou
quase total da vegetação nativa. Portanto, o conceito não inclui derrubada de
árvores isoladas ou queimadas para aberturas de roças.
A Amazônia Legal perdeu 64 km² de área de florestas entre março de 2020 e março
de 2021 – aumento de 156%. Principais causas: impunidade aos crimes ambientais,
abertura de pastos, extração de madeira, mineração, garimpo e grilagem
ilegais em terras do poder público.
Menos de 1% das áreas desmatadas na Amazônia, entre 2005 e 2018, foram punidas
com multas, ações civis públicas e embargos (Ibama, 2018). A maior taxa de
desmatamento foi em grandes fazendas (77%) e a menor (3,6%), em terras indígenas.
Isso comprova que os povos originários preservam a floresta e suas áreas
demarcadas favorecem a preservação ambiental.
Dados divulgados pelo Inpe no último dia de maio revelam que aquele mês teve o
pior índice de focos de calor na Amazônia e no Cerrado, desde 2007. Os
satélites detectaram 1.186 focos de calor na Amazônia, aumento de 40,6% em
relação a 2020. No Cerrado foram 2.649 focos, alta de 78,8% em relação a
2020.
Enquanto o rio Negro bate recorde de inundação em Manaus, o Centro-Oeste
e Sudeste sofrem falta de chuvas, que deixam os reservatórios com metade
da média histórica de volume d’agua para o período, ameaçando até
o fornecimento de energia. Tudo isso evidencia, cada vez mais, a crise climática e a violência contra os povos indígenas,
com ataques a tiros e casas queimadas em diferentes
territórios. Enquanto isso, em Brasília, o Congresso se apressa para tentar
“passar a boiada”, como os Projetos de Lei 191/2020 e 490/2007, que irão
aumentar ainda mais o desmatamento e a violência contra os povos indígenas.
O bioma mais devastado do país, contudo, tem sido a Mata Atlântica, segundo
pesquisa da Fundação SOS Mata Atlântica/Inpe. Ela se estende por 17 estados,
abriga 145 milhões de pessoas e 80% da economia nacional. Entre 2019 e 2020,
perdeu o equivalente a 18 mil campos de futebol (13.053ha) - áreas desmatadas
para a produção agropecuária em MG, BA, PR, SC e MS. Motosserras puseram abaixo
grandes jequitibás, cedros e ipês. A especulação imobiliária aumentou o
desmatamento, sobretudo no litoral de SP e RJ. Hoje, restam apenas 12,4% da sua
cobertura original.
O limite mínimo para a conservação de um bioma é de 30%, de modo que ele
assegure serviços ecossistêmicos como abastecimento de água e polinização de
espécies. Portanto, a Mata Atlântica está condenada à autodegradação. E quem
mora em São ou Rio de Janeiro já experimentou a severa escassez de água, pois o
desmatamento seca os mananciais e evita as chuvas.
O Brasil dispõe de legislação adequada à preservação ambiental. Falta é vontade
política, a começar do ministro Ricardo Salles, denunciado pelo STF como
contrabandista de madeira ilegal. Em abril de 2020, ele concedeu anistia a
proprietários rurais que destruíram áreas frágeis da Mata Atlântica. Mas foi
obrigado a recuar pelo Ministério Público Federal. E nos dois primeiros anos de
sua gestão o desmatamento em áreas de conservação cresceu 62%. No governo
Bolsonaro foram desmatados na Amazônia 21 mil km², o equivalente a toda a área
que, pela Via Dutra, une o Rio a São Paulo, incluindo os perímetros urbanos.
Mesmo tão devastada, a Mata Atlântica abriga mais de 1.300 espécies de animais,
20 mil espécies de plantas e contém a maior diversidade de árvores por hectare
no mundo.
Artigo da revista “Nature”, de outubro de 2020, frisa que a recuperação de 15%
de sua área desmatada seria suficiente para evitar a extinção de 60% das
espécies ameaçadas no planeta e absorver 30% do carbono acumulado na atmosfera
desde a Revolução Industrial.
Pesquisa de 2020 dos economistas Humberto Laudares e Pedro Henrique Gagliardi
demonstra que há estreita relação entre o desmatamento e o aumento de
infectados por Covid-19 entre os povos indígenas. A mineração ilegal, as
queimadas criminosas e a invasão dos grileiros cresceram nas reservas indígenas
da Amazônia. Cada quilômetro quadrado de desmatamento implica em aumento
de 9,5% de novos casos de Covid-19.
É bom lembrar que o deserto do Saara, no norte da África, hoje árido, quente,
inóspito, foi há séculos uma região de florestas com lagos e muita chuva. Caso
os brasileiros não deem ouvidos aos gritos de Gaia e deixem “a boiada passar”,
nosso território corre o risco de, no futuro, se transformar também em um
imenso deserto. É este o futuro que desejamos entregar às próximas gerações?
Frei
Betto é escritor, autor de “A obra do artista – uma visão holística do
Universo” (José Olympio), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil
e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali
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correio.
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