FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(24/06/2021)
Depois de algumas semanas navegando em
águas paralelas, começamos a sentir saudades do mar. Dois gênios da literatura
mundial, Machado de Assis e José Saramago, ofereceram-nos seu saber e dele nos
servimos para enriquecer nossos conhecimentos. Que podem nos dizer um escritor
agnóstico e outro ateu confesso? Muito, sem dúvida. Não é por causa da Fé que
professamos que devemos descartar a sabedoria dos que são alheios a ela. Alguns
dos maiores teólogos cristãos, como Sto. Agostinho e S. Tomás de Aquino, foram
buscar na filosofia pagã de Platão e
Aristóteles inspiração para fundamentar seus escritos.
Despedimo-nos, pois, de Machado e Saramago
com gratidão, não só por nos proporcionarem o seu saber, mas também por
questionarem nossa ignorância. De lembrança, Saramago deixa-nos esta pérola:
"cegueira é também isso: viver num mundo onde se tenha acabado a
esperança". Não. Nossa esperança não acabou, ela está fermentando nas ruas
e praças.
Agora vamos ao mar, ao manancial onde
bebemos da "água que jorra para a vida eterna". E vamos na companhia
de alguém cuja memória festejaremos nos próximos dias. Paulo Apóstolo. A paixão
dele será nossa bússola. Estivesse onde estivesse, ele estaria falando do
Senhor Jesus. Era a sua paixão.
Por conta desta paixão, foi provado com
cegueira dos olhos, a fim de ter a visão do espírito ("Senhor, que queres
que eu faça?" Cf. Atos, 9, 3ss.) Mais adiante, foi tido como louco pela
autoridade constituída: "Paulo estava falando em sua defesa quando o governador
Festo o interrompeu, "Estás ficando louco, Paulo. Todo este teu saber está
te levando à loucura" Atos, 26,24. Aos seus suplica que o aceitem como
tal: "peço que não me considerem louco ou então me suportem como
louco" 2Cor.11,16. O mais
fantástico, no entanto, era a sua consciência de que o Cristianismo possuia um
conteúdo de loucuras: "Os judeus pedem sinais, os gregos querem sabedoria,
mas nós anunciamos o Cristo Crucificado, escândalo para os judeus e loucura
para os gregos" 1Cor.1,22.
Na verdade, ele assume a loucura como estratégia para alcançar a
plena lucidez, sem negar, no entanto, o caráter "anormal" da Fé
cristã. Louco seria qualquer um que ameaçasse a unidade do Império Romano,
pregando uma doutrina essencialmente subversiva em um mundo absurdamente
normal. O Império é que demarcava as fronteiras da normalidade.
Naquele mundo adverso, ele não teria
nenhuma chance se não tratasse de consolidar sua independência. "Aprendi a
ser autônomo em tudo. Sei passar privação ou viver na abundância. Para tudo e
por tudo, estou iniciado, ter fartura ou passar fome, ter de sobra ou sofrer
penúria" Fil.4,11-12. Nisso consistia sua autonomia: paixão e
despojamento.
Que nos ensinaria o apóstolo Paulo, a nós
que estamos enfrentando esta dupla pandemia: a do coronavirus, de origem
desconhecida, e a outra, escancaradamente visível, incomparavelmente mais
letal, a do virus infiltrado no Palácio do Planalto?
Ele nos daria as mesmas armas que deu às
primeiras comunidades cristãs. Antes de mais nada a mística da Fé, uma busca
incessante do olhar de Deus sobre a
realidade concreta, a fim de ler o momento presente numa visão histórica e
transcendental. Uma adesão incondicional à pessoa de Jesus, como caminho e chave para
construir um novo destino ("para mim viver é Cristo, morrer é lucro"
Fil. 1,21) Uma atitude iconoclasta para derrubar o muro de preconceitos humanos
: ("não há mais nem judeu nem grego nem livre nem escravo nem homem nem
mulher, há somente novas criaturas" Cf. Gl.3,27, Ef.2,15) . Uma liberação
das consciências frente à ordem constituída. Só os imperativos do amor limitam
esta liberdade: ("o amor é a plenitude da lei. Livres frente à lei, somos
escravos uns dos outros" Gl.5, 1-13.)
Sua primeira preocupação, a cada momento,
seria criar comunidades de Fé e Vida e animá-las continuamente ("sinto
como que dores de parto até que o Cristo esteja formado em vós"
Gl.4,19 ). Assim estaria formado o Povo
de Deus em Marcha.
Que saiam os teólogos do seu gabinete, os
devotos do seu cenáculo, os teóricos do seu wapp. É hora de seguirmos o grande
apóstolo que chegou à lucidez através da loucura. Observemos bem a legenda escrita na sua
bandeira de frente: "A vitória que vence o mundo é a nossa Fé" 1
Jo.5,4.
Frei
Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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