Por Francisco de Aquino Júnior
O ambiente de violência generalizada em que nos
encontramos faz com que ninguém esteja completamente imune ou protegido. De uma
forma ou de outra, a violência atinge todas as pessoas, ainda que seja pelo
sentimento comum de insegurança e medo. Nem mesmo a classe média/alta está
livre. Basta ver a busca por condomínios fechados e o crescimento do mercado de
segurança privada.
Mas não nos iludamos: Se a violência
de alguma forma atinge todas as pessoas, não atinge todas as pessoas na mesma
proporção e intensidade. Não “estamos todos no mesmo barco”. Na “melhor” das
hipóteses, estamos todos no mesmo oceano de violência generalizada. Mas,
enquanto alguns estão em iates, outros estão em barcos, outros estão agarrados
a um tronco e milhares já morreram afogados num mar de sangue. Enquanto alguns
são protegidos, outros são exterminados – até pelo próprio Estado. É falso e
cínico o discurso ideológico de universalização da violência que trata todas as
pessoas como igualmente vítimas da violência
Mesmo entre as maiores vítimas da
violência (pobres, negros, indígenas, mulheres, população LGBT etc.) há
diferenças que não se podem negar nem minimizar. É verdade que há muitas formas
de violência (econômica, racial, de gênero, sexual etc.) e nenhuma delas pode
ser banalizada e minimizada. E é verdade que essas diversas formas de violência
estão muito mais implicadas umas nas outras do que parece, formando um tecido
social extremamente violento. Mas é verdade também que quando qualquer dessas
formas de violência está associada à violência econômica, que nega as condições
materiais de reprodução da vida, ela adquire dimensões e proporções muito mais
graves: Entre uma mulher rica e uma mulher pobre, entre um gay rico e um gay
pobre, entre um negro rico (coisa muito mais rara) e um negro pobre, por
exemplo, há diferenças consideráveis que não se podem minimizar. Nem se pode
banalizar nenhum tipo de violência, nem se pode colocá-las todas no mesmo
nível.
É curioso que o discurso de
universalização da violência tende a tratar todas as pessoas como vítimas da violência, mas não como sujeitos da violência. Aqui a violência não
aparece como um fato universal que diz respeito a todas as pessoas: ela tem
classe e raça. Violenta é a população pobre e negra das periferias que está
encarcerada ou é candidata nata ao encarceramento ou mesmo ao extermínio: são
“bandidos”, são uma ameaça à sociedade, devem ser exterminados – “bandido bom é
bandido morto”! A elite que se proclama vítima da violência dos bandidos (medo,
assalto, agressão etc.) não se reconhece como sujeito da violência (econômica,
psíquica, estatal/policial etc.) contra os pobres. Mesmo uma mulher que é
vítima do machismo ou um gay que é vítima de homofobia nem sempre se reconhece
como sujeito de violência contra a empregada doméstica ou contra os pobres em
geral. A tentação é sempre responsabilizar o outro pela violência. E o outro
normalmente é o que se encontra numa situação de dominação: a mulher, o gay, o
negro e, sobretudo e em última instância, o pobre.
O discurso de universalização da
violência (todos são igualmente vítimas!) é sempre um discurso
classista-racista (os pobre e negros são os responsáveis pela violência!). O
resultado dessa lógica perversa se traduz numa cultura de preconceito,
desprezo, aversão e violência contra as vítimas e em políticas públicas de
defesa dos interesses das elites e criminalização da pobreza e dos pobres.
Atenção: Não estamos todos no mesmo
barco! Não somos igualmente vítimas da violência! Por isso não se pode tratar
todos da mesma forma: onde há dois pesos, tem que haver duas medidas. No centro
de nossas preocupações tem que está sempre a defesa dos direitos das maiores
vítimas da violência. Elas são, n’Ele, juízes e senhores de nossas vidas,
Igrejas e sociedades (Mt 25, 31-46).
**Portal das CEBs postagem original
Francisco Junior Aquino é
Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE; professor de teologia da
Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP).
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