FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(19/10/2021)
Dos personagens que protagonizam a
Parábola do Filho Pródigo, nenhum está livre de polêmica e interpelação. Como
não discordar do adolescente que decide abandonar a família sem uma razão
justificável? Como aceitar a conduta do pai que o deixa partir e ainda lhe dá a
herança, mesmo prevendo o fracasso final? Como explicar a reação do irmão mais
velho que não se alegra com a volta do caçula e se nega a entrar na festa do
perdão?
Contudo, entre este último e os dois
primeiros há enorme distanciamento de sentimentos. Enquanto o pai chora de
alegria e o filho pródigo chora de arrependimento, ele permanece de coração
fechado. Ficara em casa servindo nos trabalhos cotidianos. Cumprira seu papel
de bom filho. Porém não se anima com o
retorno do outro. E enfrenta o pai com o argumento da justiça: "a mim o
senhor nunca deu uma festa como esta que dá agora ao meu irmão que gastou todo
dinheiro com as prostitutas".
Qualquer tribunal humano lhe daria ganho
de causa, pois o julgaria de acordo com os ditames do código penal. Mas Jesus
nos coloca perante o tribunal divino, onde "a misericórdia triunfa sobre o
julgamento" Tiago 2,13.
(De passagem, vale lembrar nosso genial
Ariano Suassuna, em seu "Auto da Compadecida". Quando tudo parecia
perdido para João Grilo, no tribunal celeste, e nem Jesus encontrava uma saída,
a Compadecida entra em cena e interfere: "Filho, João Grilo sofreu demais
em vida para não merecer outra chance".)
Esta passagem do Evangelho não trata do
certo e do errado, trata sim do modo de agir de Deus. Se Ele nos julgasse
segundo o rigor do que é certo e do que é errado, o que seria de nós? Ao fazer uso da razão pura, o filho mais
velho achou motivo de fechar o coração, e, ao mesmo tempo tempo, nos deu motivo
de levantar algumas dúvidas: será que ele ficou em casa por amor à família ou
por não ter tido a coragem de partir? Será que não acolheu o irmão caçula movido pelo senso de justiça ou por
despeito e inveja? Será que foi ao irmão que não quis perdoar ou a si
mesmo, por ter perdido suas próprias
chances?
Não somos meros funcionários da vida,
somos seus parceiros, nascemos para criá-la, contrui-la e desposá-la como
marido e mulher desposam um ao outro. Daí, quem não está bem com a vida, não
consegue perdoar o pecador arrependido.
Quanto a Deus, Ele não precisa dar
explicacões, pois conhece as intenções mais secretas da alma humana. Ele ama
não porque é amado, como se o amor fosse uma retribuição. Ama não para ser
amado, como se o amor fosse uma negociação. Simplesmente ama, porque é Deus. E
Deus é Amor.
Antes que alguém me pergunte se a Parábola
do Filho Pródigo se aplica também em favor dos que estão na cúpula do poder
político do país, advirto: nesta parábola há um verbo que aparece vezes
seguidas conjugado em vários tempos e modos: arrepender-se. Aí está uma
condição "sine qua non" para o exercício da misericórdia. Embora não
discrimine ninguém, ela não age unilateralmente, mas exige da pessoa agraciada,
uma reação comprovada pela conversão de vida. Ela não cabe, por inútil, onde se
permanece irredutível numa política
genocida (no enfrentamente da
covid) e paulatinamente homicida e
ecocida (na gestão da Economia). Nestes casos, a única chance de recuperar o
direito à misericórdia seria um diagnóstico médico de psicopatia. Mas, então,
estariam constitucionalmente impedidos de governar a nação.
Jesus deixa claro que a Parábola do Filho Pródigo é só para os que
se arrependem. "Não joguem pérolas aos porcos, pois eles vão pisoteá-las
e, a seguir, vão atacar vocês" Mt.7,6.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da
Fé e escritor
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