FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(15/10/2021)
A "Parábola do Filho Pródigo",
além de uma das páginas mais belas da Bíblia, é tida como uma obra prima da
literatura universal. Sobre ela debruçaram-se alguns gênios da filosofia e da
arte, com a intenção de sondar-lhe o tesouro de saber e mistério. Um destes foi
o poeta pernambucano Augusto Frederico Schmidt. Ele descreve o que se passaria
n'alma do irmão mais novo, no momento em que surpreende seus familiares com a
decisão de partir.
"Os seus olhos viviam escondendo
desejos de fuga. Ele mesmo não sabia porque, mas se sentia diferente dos
outros, dos que nasceram na vasta casa paterna, dos que trabalhavam com o pai
no engrandecimento e na prosperidade da família. Sentia-se despreendido da
velha árvore. Enquanto os outros dormiam e encontravam no abandono noturno a
reparação das longas fadigas do dia, o filho pródigo era assistido pela miragem
e a provocação dos seus sonhos."
O poeta também nos convida entender as
tensões do coração paterno. "Nada é tão triste como o olhar do pai que se
despede do filho. Nada é tão triste como as mãos que se
levantam
para a última bênção sobre a cabeça de
um jovem que um dia foi pequeno nos seus braços paternos e cresceu ao lado do
pai protetor e vigilante e agora principia a pensar e caminhar por si
mesmo..."
Um dos maiores pintores da história foi
Rembrant. Um dos seus quadros mais famosos retrata o exato momento em que o
terno abraço paterno acolhe o filho arrependido e humilhado. Sua face tem os
olhos cegos. Ele os gastara perscrutando sombras na noite. Tentando descobrir
no longe do caminho, sol a pino, o vulto do filho regressando. Cego também por
não querer ver a culpa do filho. Sem contar as lágrimas escondidas. No centro
do quadro observa-se o milagre das suas mãos: uma rude e grossa, é mão de
homem; outra longa e fina, é mão de mulher. O artista não consegue admitir,
nessa estória, a ausência da figura materna. Parece querer dizer: "Deus é
um pai que ama como uma mãe.
André Gide, dos mais renomados escritores
franceses do século passado, escreveu "O Regresso do Filho Pródigo".
Ele o imagina num encontro individual com um por um dos familiares, cada qual reagindo ao seu modo. A mãe a reclamar
a dor da saudade. O pai, a falta de mais um operário nos trabalhos da família.
O irmão mais velho, a irresponsabilidade. No entanto, surge uma surpresa em
cena: um terceiro filho que nascera na sua ausência. Este chorava inconsolável.
Interpelado, desabafa: todos os dias sonhava acordado com o irmão distante. Era
seu herói. Era seu idólo. E agora, na mesma noite em que decidira partir
também, aquele volta e destroi os seus planos.
Partir é uma sina irrecusável do
desenvolvimento humano. Onde estaríamos muitos de nós, se nossos avós não
tivessem trocado as brenhas do sertão pela cidade grande, onde seus filhos
pudessem estudar, doutorar-se, "ser gente na vida" (dizia minha mãe).
Durante estes meses sombrios do
coronavirus, assistimos a cenas
extraordinariamente tocantes de partidas e regressos. Pessoas queridas
contagiadas, trocando o abrigo do lar pelo hospital e, em seguida, a enfermaria
pela UTI. O olhar apreensivo de parentes, disfarçando o medo com sinais de
esperança. Outras tantas vezes, o regresso dos que se curavam, como um cortejo
jubiloso, para o abraço e a festa inesquecível da família.
No entanto, muitos foram infectados porque
relaxaram o isolamento doméstico, em busca de aventuras proibidas.
Na verdade, os filhos pródigos, figuras
que se reproduzem sempre de novo na história, não regressam para abdicar de ser
livres, mas sim para recomeçar o longo aprendizado da liberdade.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor
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