Frei Betto
Participei, de modo virtual,
do 28º encontro estadual do Conselho do mandato do deputado federal Vicentinho
(PT-SP), ex-presidente da CUT. É o único parlamentar da Câmara dos Deputados
que debate com seu Conselho, integrado por militantes de base, líderes
comunitários, prefeitos e parlamentares, a aplicação de suas emendas
parlamentares, o que assegura transparência e objetividade.
Em minha análise de
conjuntura, frisei que segundo o Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação
Getúlio Vargas), a atual renda média dos brasileiros caiu 9,4% desde o final de
2019. Nem todos perderam por igual. A redução na metade mais pobre da
população chegou em 21,5%, enquanto no segmento mais rico ficou em torno de 7%.
A situação socioeconômica do Brasil,
com o fracasso do governo Bolsonaro, é dramática: dos 101,5 milhões de
brasileiros que compõem a força de trabalho no país, 14,8 milhões
desempregados. Abaixo da linha da pobreza sobrevivem 27,3 milhões de
brasileiros (12,8% da população). E a retirada de direitos sociais da
classe trabalhadora é agravada pela maior inflação dos últimos 27 anos (acima
de 10% nos últimos 12 meses).
Em março de 2020, antes de a
pandemia se agravar, o país tinha mais 7,5% de trabalhadores ocupados. Hoje, o
número de desempregados é 20% superior ao existente anteriormente.
E qual é a qualidade do
emprego em nosso país? O trabalho por conta própria, o chamado “bico”, foi o
tipo de ocupação que mais aumentou: cerca de 8,7% na comparação entre maio de 2020 e maio de
2021. O trabalho sem carteira assinada teve alta de 6,4%. A taxa de
informalidade está em 40% da
população ocupada, ou seja, 34,7milhões de trabalhadores sem
direitos assegurados.
Já o trabalho doméstico, em queda de 19% em relação
ao período pré pandemia, ficou praticamente estável entre maio de 2020 e maio
deste ano.
Somam-se aos desempregados os desalentados, aqueles que
desistiram de procurar trabalho: são, hoje, 5,7
milhões, o que corresponde a 5,3% do total da força de trabalho do país.
Há uma demanda real pela criação imediata de mais de 33 milhões de postos de trabalho! Se adicionarmos os 34,7 milhões
na informalidade, veremos o tamanho do desafio que se coloca como prioridade
para o Brasil encontrar um caminho de crescimento sustentável.
Outra tragédia é a volta do
Brasil ao mapa da fome. Quase 20 milhões de brasileiros (um Chile) declaram
passar 24 horas ou mais sem ter o que comer. Mais 24,5 milhões não sabem
se poderão se alimentar no dia seguinte, e já reduziram quantidade e qualidade
do que comem. Outros 74 milhões vivem inseguros sobre se terão ou não refeições
ao longo da semana. No total, são 118,5 milhões de pessoas (mais de duas vezes
a população da Argentina) carentes de alimentação adequada ou que sofrem de
algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve).
A principal causa da fome e da
insegurança alimentar é a desigualdade social que caracteriza historicamente a
sociedade brasileira, resultante de vários nós, como estrutura agrária arcaica,
domicílios precários para a maioria da população nos centros urbanos, e
discriminações de gênero e étnicas. Somam-se a isso a ausência de políticas
públicas permanentes orientadas pela promoção e proteção de direitos
humanos e o desmonte dos direitos sociais no mundo do
trabalho e dos grupos sociais vulneráveis.
Tudo isso agravado pela
pandemia, a baixa remuneração dos que se encontram na economia informal, a
flexibilização das leis trabalhistas, a pobretarização da população
brasileira.
Essa conjuntura patética
exige, em caráter de urgência, que o Brasil adote uma política de renda básica
universal. Assim será possível assegurar o direito elementar de qualquer ser
humano, independentemente de sua condição, de se alimentar adequadamente.
Apesar desse quadro sinistro,
o governo Bolsonaro resiste. Como se explica tal resiliência? Isso se deve
ao apoio e à sustentação, explícitos ou camuflados, das classes
dominantes, em especial o capital financeiro, os grandes grupos corporativos
nacionais e multinacionais, o latifúndio e o agronegócio. Além de segmentos
importantes da classe média.
Este quadro comprova a convergência
entre o neoliberalismo e o neofascismo, construída desde as manifestações de
2013, o que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff e na eleição
de Bolsonaro.
Ao contrário do que se
propala, Bolsonaro não é um “sem partido”. Ele encabeça o Partido Militar,
integrado por três segmentos: as Forças Armadas; o Partido Fardado (que reúne
policiais-militares, bombeiros, guardas de empresas de segurança); e o Partido
Bélico, no qual se aglutinam milicianos, frequentadores de CACs (Clubes de
Caçadores, Atiradores e Colecionadores) e fanáticos neonazistas.
Segundo análise de Ana Penido,
“contribuíram para a reorganização do Partido Militar a presença das tropas no
Haiti (aumento dos contatos internacionais), as operações de Garantia da Lei e
da Ordem (oferecendo às Forças Armadas uma autoimagem de solucionador de
problemas nacionais), o emprego das Forças Armadas nos megaeventos esportivos
(proporcionando contatos com elites econômicas – particularmente empresários da
construção civil – e com a imprensa), e a Comissão Nacional da Verdade
(garantindo coesão discursiva em torno de um inimigo comum, a esquerda)”.
Militares têm dificuldades de
se adaptar ao regime democrático. Pensam segundo a lógica da guerra, miram a
população dividida entre aliados e inimigos, e são treinados em 3Ds (não
duvidar, não divergir, não discutir). E a lógica da guerra se encontra, hoje,
popularizada pelos jogos eletrônicos, a moda, os aplicativos de
relacionamentos, e a impunidade ao machismo, à homofobia e ao racismo. E
fortalecida pela liberalização da compra de armas.
Caso as forças de oposição ao
governo não tenham força de promover o impeachment de Bolsonaro, o Brasil terá
de suportar o genocida até as eleições de 2022. E continuar a assistir às
reiteradas ameaças ao Estado de Direito e ao desmonte dos direitos sociais.
Ainda assim, urge que a oposição intensifique sua atuação contra-hegemônica,
antineoliberal e antifascista, sem cair no engodo de uma “frente ampla” contra Bolsonaro,
o que só existe na retórica da direita neoliberal interessada em viabilizar uma
candidatura que derrote, preferencialmente, a esquerda.
Na conjuntura internacional
segue em curso o processo de transição da hegemonia estadunidense para a
chinesa, em aliança com a Rússia. Com isso, acirram-se as disputas geopolíticas
em todos os cantos do globo. Particularmente na América Latina, o imperialismo
estadunidense intensifica seu controle sobre sua tradicional “reserva de
domínio”, se necessário fazendo uso da força e de golpes de Estado.
Essa disputa cria rachaduras
nos setores dominantes do Brasil. Enquanto os militares continuam alinhados à
Casa Branca, o agronegócio sabe que não lhe convém perder a China como
principal parceira comercial. Em suma, os próximos anos tendem a definir quem
dominará o século.
Encerrei a análise de
conjuntura assinalando oito pautas que considero imprescindíveis às oposições
no ano eleitoral de 2022. Isso requer, em primeiro lugar, definir um novo
Projeto Brasil. Qual o Brasil que queremos? Quais as reformas estruturais
prioritárias?
Assim, o governo Lula, a ser
empossado no início de 2023, e as forças que o apoiam, poderão se centrar nos
oito pontos: 1) Combate à desigualdade social; 2) Implementação de
renda básica à toda a população em idade laboral; 3) Acesso de todos
à saúde e educação; 4) Preservação socioambiental (saneamento básico, energias
limpas etc.); 5) Resgate da ética como bandeira identitária da
esquerda; 6) Intensificação do trabalho de base (educação popular) junto aos
excluídos e vulneráveis; 7) Diálogo com o segmento evangélico (priorizando a
Bíblia como canal) e os movimentos identitários (negros, LGBTodos e Todas;
indígenas etc.); 8) Capacitação no desempenho das redes digitais e demais
recursos da Internet, como forma de divulgação da pauta de oposição e combate
das “fake news”.
Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do
Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil
e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali os
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