Marcelo Barros
Nesta segunda-feira, 04 de outubro, se encerra o
“tempo da criação”. Desde 2015, o papa Francisco, o patriarca ortodoxo
Bartolomeu I e várias Igrejas cristãs propõem que, a cada ano, consagremos este
tempo de 01 de setembro a 04 de outubro, para intensificar a oração e o cuidado
com a mãe Terra, a natureza. Antes, quando falávamos em criação, parecíamos
estar nos referindo apenas à doutrina segundo a qual, no princípio da história,
Deus criou o universo. Muitos povos e culturas guardam belas tradições poéticas
e mitos significativos sobre a origem do mundo e da humanidade. No entanto,
atualmente, quando nos referimos à criação, estamos afirmando que todo ser vivo
e tudo o que existe tem um sentido em si mesmo e é expressão do amor divino.
Precisa ser respeitado e merece cuidado.
Na encíclica sobre o cuidado com a Terra, nossa casa
comum, o papa Francisco afirma: “Na
tradição judaico-cristã, dizer criação é mais do que dizer natureza, porque tem
a ver com o projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um
significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se
analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que
vem das mãos abertas do Pai de todos e todas, como uma realidade iluminada pelo
amor que nos chama a uma comunhão universal” (Laudato si, n. 76).
Nunca foi tão atual reafirmar isso nesse momento do
mundo no qual a própria ONU tem publicado informes que revelam mudanças
climáticas produzidas pela ação destruidora da sociedade. Conforme a ONU, a cada ano, sete milhões de pessoas morrem
devido a doenças provocadas pela poluição do ar. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) revela que 80% da população da Terra está exposta ao menos a um poluente
grave. 1/3 da população do planeta não tem acesso à água potável de qualidade e
metade da população não conta com saneamento básico. No Brasil, encerramos este
tempo da Criação com notícias trágicas sobre um número recorde de queimadas em
todos os biomas brasileiros e o anúncio de uma carência de água que já afeta
todas as regiões do país.
Neste mês de
outubro e em novembro, a ONU realizará duas conferências mundiais sobre
mudanças climáticas e cuidado com a ecologia. No entanto, de antemão, já
sabemos que as mudanças profundas que seriam necessárias para curar o planeta
Terra não poderão vir de governos que atuam como simples gerentes das empresas
multinacionais e de seus interesses. Para termos qualquer vitória sobre esses
desafios tão urgentes, precisamos com urgência mudar o sistema econômico
dominante e instituir processos democráticos que representem realmente a
maioria das pessoas e comunidades que habitam a Terra.
Mudanças tão profundas nunca ocorrerão sem uma
transformação da cultura, através de uma mais profunda educação ecológica e de
uma espiritualidade de amor e cuidado com
a Mãe Terra e todos os seres vivos. Infelizmente, nas Igrejas cristãs,
esse tema da Ecologia é acolhido como bom e útil, mas como se fosse algo para além
da fé. Só haverá mudança profunda se a Ecologia Integral for considerada como
elemento central e essencial da própria fé.
A celebração deste tempo da criação de 2021 se
encerrou nesta segunda-feira, 04 de outubro, não apenas para voltar daqui a um
ano e sim para que este encargo nos seja entregue como missão. Que façamos de
todos os meses e dias do ano um tempo permanente de cuidado amoroso com a
Criação.
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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