FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(27/09/2021)
Qualquer um
que se proponha a falar deste assunto corre o risco de ser repetitivo, por uma
razão muito simples: tudo já foi dito sobre o amor, em milhões de anos em
que esta tem sido a mais irrecusável das
necessidades humanas. Isso não lhe tira
a novidade quando se leva em conta que cada pessoa é única, irrepetível e,
consequentemente, a experiência amorosa de cada uma é original e nova.
Relembremos
algumas destas experiências, tidas como exemplares porque encerram algo comum a
todos nós, à nossa grandeza e à nossa pequenez.
Fora do
âmbito da Fé, os apreciadores da poesia decerto conhecem a poetisa portuguesa
Florbela Spanca e se comovem com a sua tragédia pessoal. Seus poemas revelam
uma verdadeira obsessão pelo tema do amor. Um deles começa dizendo
"minha alma de sonhar-te anda perdida, meus olhos andam cegos de te
ver.... " e termina com um arremate místico: "podem voar mundos,
morrer astros, que tu és como Deus, princípio e fim". Aí está a utopia do
amor humano, transcender o limite do tempo.
Fracassada em seus amores, Florbela suicidou-se. Mas continua venerada
pelos seus conterrâneos, como poetisa e
como pessoa. É que a humanidade admira quem leva o amor até as últimas
consequências, mesmo que acabe em loucura.
No campo
do testemunho cristão, lembro um exemplo incomparável, que avalio como prova
suprema de amor ao próximo.O missionário espanhol Pedro Claver, nascido no ano
de 1580, morreu aos 74 anos de idade e viveu mais de 40 destes anos nos porões
dos navios negreiros vindos da África. Revoltado com o comércio de seres
humanos, ele fez um voto na sua juventude: "serei escravo dos
escravos". Todos os dias ele os esperava no porto de Cartagena, Colômbia,
um dos maiores entre-postos do comércio de escravos das Américas, nos séculos
XVI e XVII. Chegavam semi-mortos,
doentes no corpo, feridos na alma. Pedro Claver descia aos porões escuros e
fétidos e, durante semanas curava-lhes
as chagas e o desespero. Por suas mãos teriam passado cerca de 300.000
escravos. Morreu vítima de uma epidemia de peste. Ao canonizá-lo, o Papa Leão
XIII declarou: "Pedro Claver é o santo que mais me impressiona, depois do
próprio Cristo".
Ao
conhecer exemplos que a História dos Povos imortalizou, consideremos que eles
devem ser vistos como uma referência, não como modelos acabados. Eles são
exemplares porque outras pessoas os complementaram; o anonimato destas pessoas
não lhes tira o mérito compartilhado com esses heróis e heroínas. A História
seria injusta se não fosse supervisionada pelo Olhar Divino, que "vê o que
está oculto e dá a cada um a merecida recompensa" cfr. Mt. 6,6.
A tragédia
do coronavirus abriu a consciência do
médico pneumologista Ivan Mendes Ribeiro
e seu depoimento nos serve de lição: "Na minha formação o foco era no
profissional médico, na sua atuação. Agora vejo claro que, quando se vai para a
prática, descobre-se que sozinho a gente não é nada. O pneumologista precisa do
enfermeiro qualificado que mereça a sua confiança; do fisioterapeuta
qualificado, para cuidar da reabilitação; do técnico de enfermagem qualificado,
para preparar o medicamento; do profissional de limpeza competente, para manter
o hospital limpo. Sozinho não se consegue absolutamente nada".
Caso se
possa imaginar algum acréscimo de alegria no céu, imagino a alegria de S.
Paulo, vendo comprovadas estas suas palavras: "Vós sois o Corpo de Cristo
e cada um de vós é um de seus membros.(....). O olho não pode dizer à mão
"eu não preciso de você". Nem a cabeça pode dizer aos pés:
"dispenso a ajuda de vocês". Pelo contrário, os membros do corpo que
parecem os mais fracos são os mais necessários" Cfr.1Cor. 12,1ss.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano,
coordenador da Tenda da Fé e escritor
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