FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(05/10/2021)
Todos os grandes pensadores da História,
creio eu, alguma vez foram convidados a falar sobre o assunto do amor. Poucos
ousaram dar definições, a maioria preferiu servir-se de metáforas e alegorias.
Jesus não escaparia desta regra geral. No
entanto, Ele sempre associava o amor a uma prática de vida. "Quem me ama
cumpre os meus mandamentos"
Jo.14,23. Quando exigiam mais do que uma simples sentença, Ele contava
parábolas, abertas à compreensão dos simples ou dos letrados.
Uma destas parábolas narra que um doutor
da lei, querendo pô-lo à prova, perguntou-lhe: "Mestre, qual é o maior dos
mandamentos?" Como se ele mesmo já não o soubesse! Como se os ouvintes ali
presentes já não o tivessem decorado! Como se a prática do amor precisasse
antes de uma definição verbal!
Jesus percebe de imediato a intenção do
doutor da lei: fazer uma exibição pública de conhecimentos abstratos; preencher
o tempo de provar o amor real com intermináveis e teóricas discussões. Então
conta-lhes uma parábola, baseada em fatos reais.
"Um certo homem caminhava de
Jerusalém para Jericó e caíu nas mãos de assaltantes, que o despojaram e o jogaram ferido à margem da
estrada. Por ali passou um sacerdote e, a seguir um escriba; viram aquele homem
e foram adiante. Mas passou também um
samaritano. Este desceu da sua montaria, tratou das feridas e permaneceu com
ele até ter certeza da cura e da segurança. Cfr. Lc.10:25-37. Os dois primeiros
pertenciam à elite dos cidadãos piedosos e fiéis praticantes da religião. Já o
outro era uma figura detestada por conta de um longo histórico de ódios e
preconceitos entre samaritanos e judeus.
Escolhendo personagens do meio dos seus
ouvintes, Jesus transfere a questão das bocas para as consciências, das teorias
para o compromisso. Nega-lhes o benefício da neutralidade e a todos nivela na
balança de direitos, deveres e dignidade.
Aí está uma parábola perpetuamente atual.
Ela acontece também entre pessoas de boa vontade. Quantas vezes os
"anjos" se reúnem horas seguidas para refletir e planejar, enquanto
os "demônios" entram em campo e agem, agem, agem! Quando finalmente
os "anjos" decidem partir para a ação, o estrago está feito. Então
eles voltam para casa e dizem:
precisamos rezar mais tempo pela conversão dos pecadores.
"E quem é o meu
próximo?" Perguntou o doutor da lei.
Em meio a atual catástrofe sanitária e
política do país, os detentores do poder usurpado determinam a lista dos que
devem ser excluídos desse direito. Até sobrarem os elementos da única definição
admissível: "meu próximo é quem concorda comigo e com os meus
projetos". Os outros são execráveis comunistas, inimigos da "pátria
amada Brasil".
A pandemia do coronavirus expôs suas
entranhas aos olhos do mundo. No dia 28 de janeiro do ano em curso, diversas
entidades religiosas (CONIC, CIMI, CNBB) entregaram à ONU um Documento
denunciando seus crimes hediondos com palavras fortes: "a pandemia no país
é alimentada por uma conduta política, econômica e social contraditória,
negacionista, indiferente à dor, que está ampliando as profundas desigualdades
(....) As populações mais afetadas por esta política são as pessoas negras e
indígenas, fortalecendo assim o racismo estrutural da nossa sociedade"
(....)
Contudo, é indispensável considerar também
a outra face da realidade, a que nos comove e convence. Para isso voltaremos ao
assunto.
Enquanto isso, não nos é difícil imaginar
a razão por que o sacerdote da Parábola do Samaritano passou indiferente pelo
corpo ferido e abandonado. Ele tinha pressa de chegar à Sinagoga e cumprir sua tarefa de pregar a Palavra de
Deus. Mas Deus ficou ali, caído à beira
do caminho.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da
Fé e escritor
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