Frei Betto
Há uma
tradicional maneira de caçar ratos: basta colocar um pedaço de queijo dentro de
uma armadilha. O roedor sente o cheiro da iguaria e, ágil, corre para
devorá-la. Ao se aproximar, comete um erro involuntário que lhe custa a vida:
pisa no mecanismo que fecha, automaticamente, a ratoeira, aprisionando-o.
É o que
faz o populismo de direita para neutralizar potenciais adeptos das teses
progressistas. Apregoa o ódio à política. Alardeia que todos os políticos são
corruptos! (Inclusive seus adeptos...). Substitui as pautas sociais pela de
costumes. Reforça o moralismo farisaico. Assim, convence muitas pessoas a ter
aversão à política.
Quem tem
ódio da política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos
querem é que tenhamos bastante nojo da política para, então, dar a eles carta
branca para fazerem o que bem entenderem. O que mais temem é que participemos
da política para impedir que seja manipulada por eles.
Não
existe neutralidade política. Existe a doce ilusão de que podemos ignorar a
política, abdicar do voto e ficar recolhido ao nosso comodismo. Ao agir desta
forma, nos tornamos o rato que come tranquilamente o saboroso queijo, sem ainda
se dar conta de que perdeu a liberdade e, provavelmente, a vida.
Ninguém
escapa dos dois únicos modos de fazer política: por omissão ou participação. Ao
ficar alheio à conjuntura política, ignorar o noticiário, evitar conversas
sobre o tema e nos abster nas eleições, assinamos um cheque em branco à
política vigente. A omissão é uma forma de adesão à política e aos políticos
que, no momento, dirigem a política do país no qual vivemos.
O outro
modo é a participação, que tem duas faces: a dos que apoiam a política vigente
e a dos atuam para mudá-la e implantar um novo projeto político.
As forças
políticas de direita, que naturalizam a desigualdade social, acusam muitos
políticos de corruptos (às vezes, com razão!). Mas não propõem ignorarmos a
política. Propõem substituir os políticos por empresários, dentro da lógica
capitalista de privatização do espaço público e do Estado. Foi o caso do
governo fracassado de Macri, na Argentina, e de muitos outros exemplos mundo
afora.
Em tudo há política
A
política não é tudo, mas em tudo há política. Desde a qualidade do café que
tomamos todas as manhãs até as condições humanas (ou desumanas) de nossas
moradias. Tudo na vida de cada um de nós depende da política vigente no país: a
qualidade de nossa educação escolar, o atendimento à saúde, a possibilidade de emprego,
as condições de saneamento, transporte, segurança, cultura e lazer. Não há
nenhuma esfera humana alheia à política. Inclusive a natureza depende dela – se
as florestas são ou não preservadas, se as águas são ou não contaminadas, se os
alimentos são orgânicos ou transgênicos, se os interesses do capital provocam
ou não desmatamentos e desequilíbrio ambiental. A qualidade do ar que
respiramos depende da política vigente.
Um dos
recursos que a direita utiliza para dominar a política é a manipulação da
religião, em especial no continente americano, onde a cultura está impregnada
de religiosidade. A modernidade logrou estabelecer uma saudável distinção entre
as esferas política e religiosa. Isso após longos séculos de dominação da
política pela religião. Hoje, em princípio, o Estado é laico e, na sociedade, a
diversidade religiosa é respeitada e tem seus direitos assegurados, tanto no
âmbito privado (crer ou não crer), quanto no público (manifestação de culto).
Atualmente,
os religiosos fundamentalistas querem confessionalizar a política. Usar e
abusar do nome de Deus para enganar os incautos. Ora, nem a política deve ser
confessionalizada, pois tem que estar a serviço de crentes e não crentes, nem a
religião deve ser partidarizada. A Igreja, por exemplo, deve acolher todos os
fieis que comungam a mesma fé e, no entanto, votam em candidatos de diferentes
partidos políticos.
Isso não
significa que a religião é apolítica. Não há nada nem ninguém apolítico. Uma
religião que acata a política vigente está, de fato, legitimando-a. Toda
religião tem como princípio básico defender o dom maior de Deus – a vida, tanto
dos seres humanos quanto da natureza. Se um governo promove devastação
ambiental ou privilegia os ricos e exclui os pobres, é dever de toda religião
criticar este governo. Sem pretender ocupar o espaço dos partidos políticos,
como, por exemplo, apresentar um projeto de preservação ambiental ou de reforma
econômica. Em sua missão profética, cabe às confissões religiosas abrir os
olhos da população para as implicações éticas da política deletéria do
governo.
No caso
dos cristãos, entre os quais me incluo, é sempre bom frisar que somos
discípulos de um prisioneiro político, Jesus de Nazaré. Ele não morreu de
acidente nas escadarias do Templo de Jerusalém, nem de doença na cama. Foi
perseguido, preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado a
morrer assassinado na cruz. Foi considerado subversivo por defender os direitos
dos pobres e ousar, dentro do reino de César, propor outro reino, o de Deus,
que consiste em um novo projeto civilizatório baseado no amor (nas relações
pessoais) e na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano (nas
relações sociais).
Portanto,
não há como alguém escapar da política. Estamos todos imersos nela. Se a
política que predomina hoje em nosso país e no mundo não nos agrada, busquemos
meios para alterá-la. A realidade atual de nosso país e do mundo resulta da
política adotada nas décadas precedentes. Cabe a cada um de nós se decidir:
acatar ou transformar?
Um dos
exemplos mais curiosos de que tudo tem a ver com a política é este: o último
mês do ano é dezembro, que equivale ao numeral dez. Antes dele, novembro, nove.
Atrás, outubro, oito. Precedido por setembro, sete. E quantos meses
tem o ano? Doze!
Eis a
política: na Roma antiga o ano compreendia 304 dias e tinha 10
meses: martius, aprilis, maius, junius, quintilis, sextilis, september,
october, november e december. Mais tarde foram acrescidos os meses de janus e februarius.
Para
homenagear os césares, o senado romano mudou os nomes de quintilis para
julho, em honra do imperador Júlio César, e sextilis para agosto,
em honra de César Augusto. Como havia a alternância de 31/30 nos
dias de cada mês, não era admissível que o mês de Augusto tivesse um dia a
menos que o de Júlio. Assim, arrancou-se um dia de fevereiro. Julho e agosto
são os únicos dois meses do ano que se sucedem com 31 dias cada um.
Podemos
não saber que a política está em tudo, mas está. Porque o ser humano não
inventou, e acredito que nem inventará, outra maneira de organizar a sua
convivência social a não ser através da política.
Frei Betto é escritor, autor de "A
mosca azul" (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você
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