Marcelo Barros
Mesmo se temos muitos motivos
de preocupação e estamos encerrando um ano que, em matéria de sofrimentos, não
nos poupou, é bom vermos nesta celebração do Natal um apelo à esperança e à
renovação da vida. Desde suas origens anteriores ao Cristianismo, por festejar
o ciclo solar, o Natal é celebração da luz que vence as trevas, do calor que
vence o frio e a morte.
Em um dos evangelhos lidos
nas comunidades para preparar o Natal, o profeta João Batista anuncia Jesus
como aquele que vem nos mergulhar na ventania do Espírito e no fogo. E fazer
com que dentro de nós e no mundo reacendamos o fogo da justiça amorosa, da
solidariedade e do cuidado uns com os outros e com a mãe Terra e a natureza.
Neste momento, infelizmente,
há muitas pessoas que congelaram o seu coração e parecem não reagir mais às
injustiças estruturais do mundo e à desumanidade que nos rodeia. A celebração
do Natal não é apenas a simples memória de um aniversário. Deve convocar todas
as pessoas humanas, cristãs ou não, religiosas ou não a um renascer da vida que
seja um verdadeiro renascer. Aliás, o que significaria nascer, se não fosse
para estar abertos a um constante renascer?
Em cada idade física, o ser humano
larga uma idade e renasce para outra. Maria Zambrando, filósofa espanhola,
ensinava que, como todo animal, o ser humano é mortal. No entanto, o que o
caracteriza não é ser mortal e sim ser natal, isso é, chamado a uma permanente
renovação do ser e da vida. O poeta Pablo Neruda afirmava: “Nascemos como esboço. É preciso sempre
renascer. Nascemos para renascer”. Podemos dizer que renascemos cada vez
que realizamos os passos que a vida exige e nos abrimos para uma nova etapa.
O sentido mais profundo da celebração
do Natal é abrir nossos corações e nossas vidas para essa perspectiva de uma
vida nova, tanto no plano pessoal como de nossas relações e atividades sociais
e até políticas. Viver o espírito do Natal é não apenas recordar Belém e o
presépio no qual Jesus recém-nascido está rodeado de seus pais e é visitado
pelos pobres pastores do campo. Esses relatos do evangelho já foram escritos na
perspectiva de nos ajudar a ver no menino que nasce em Belém o Senhor
Ressuscitado que, pelo seu Espírito, nos chama a sempre renascer.
Conforme o quarto evangelho,
em uma conversa noturna com Nicodemos, um mestre do Judaísmo, Jesus explica: “O que nasce conforme o mundo (ou no modo de
falar hebraico: o que nasce da carne) é carne, ou seja, pertence a esse modo de
ser do mundo. O que nasce do Espírito, é espírito. Por isso, é preciso nascer
do Espírito” (Jo 3, 7).
É preciso compreendermos que
esse processo de renovação interior tem suas raízes no mais profundo de cada
pessoa mas toma corpo em um modo de viver comunitário. Isso significa assumir a
realidade em que vivemos e retomar nossas relações com as pessoas, em um
caminho comunitário e de serviço à paz, justiça eco-social e cuidado com a mãe
Terra e toda a natureza.
Para que esse renascimento da
vida seja possível, é preciso denunciar e combater a política que serve à morte
e ao desamor. Dom Oscar Romero, mártir da caminhada libertadora, insistia que a
verdadeira espiritualidade consiste em acentuar a dignidade da Política e fazer
com que ela se coloque a serviço dos mais pobres e possa ser transformadora.
Neste 2021 e no contexto
social e político que vivemos no Brasil, é bom recordar o que os bispos
latino-americanos afirmaram no documento de conclusão da 2ª Conferência do
episcopado latino-americano em Medellín (1968): "Queremos construir uma
Igreja libertadora de toda a humanidade e libertadora de cada ser humano por
inteiro, em todas as suas dimensões" (Med. 5, 15).
Se cremos que, no Natal,
Jesus assumiu a condição humana com todas as suas fragilidades e problemas, cada
celebração do Natal nos convida a sermos pessoas cada vez mais capazes de amar,
sempre mais disponíveis ao diálogo e, em tudo, humanas, como Jesus.
Marcelo Barros, monge beneditino e
escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da
Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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