Maria Clara Bingemer
Assim
diz a belíssima canção de Gilberto Gil: Louvação. Ali o
compositor e recente imortal da Academia Brasileira de Letras, depois de louvar
várias situações vitais, louva “a esperança da gente na vida pra ser melhor”. E
segue: “Quem espera sempre alcança/ Três vezes salve a esperança”.
Louvemos, pois, a esperança neste início do tempo propício quando o ventre
grávido da moça de Nazaré, após o anúncio do Anjo, lateja e pulsa da vida
verdadeira feita carne. Louvemos a esperança na vida para ser melhor. Tem
que ser melhor por causa da criança que habita o seio da Virgem. Tem que
ser melhor por causa do sofrimento do povo, que anseia e clama por dias
melhores. Tem que ser melhor por causa da terra, que geme e sofre como em dores
de parto vendo seu ventre profanado pelo garimpo e as motosserras.
Começamos o tempo do Advento. Esperamos o que advém, o que se anuncia, o que
chega. Depois de todo um ano driblando a doença e a morte, agora esperamos a
vida que se faz esperar na alegria, na vigilância e na purificação. Mais
do que nunca é preciso esperar. Esperar com paz e com desejo. Esperar com
abertura e solicitude. Esperar crendo que, apesar de todas as aparências
em contrário, vai acontecer a chegada.
Quem
espera vislumbra uma chegada, um acontecimento. Sente o desejo de algo novo que
se pressente e que é gestado na falta e na ausência dos mais legítimos direitos
e das mais caras expectativas que a imaginação humana acarinha e cultiva.
Assim era no tempo em que Maria ficou grávida e acreditou no anúncio do
Anjo. O Messias, tão esperado pelo povo, crescia e pulsava em seu jovem
ventre.
O
povo de Israel esperava o Messias como aquele que inauguraria um novo tempo,
onde reinariam a justiça e o direito. Era a espera de um futuro
radicalmente distinto do passado. E a negação de uma história cíclica condenada
a um eterno retorno, à repetição infindável de suas grandezas e misérias.
Nunca mais
o mundo foi o mesmo depois que surgiu a fé no Messias no seio do Israel fiel. A
vida passou a ser uma existência atravessada permanentemente pela espera
daquele que vai chegar e que a tudo renovará. Como dizia um sábio judeu:
“Cada segundo é uma porta estreita por onde o Messias pode entrar”. Desta
maneira, a esperança adquire o seu mais vigoroso fundamento.
E quem
dessa esperança vive, quem com essa esperança espera, sempre alcança.
Porque o bem, o belo e o verdadeiro habitam desde sempre as entranhas humanas
mais profundas. Porque o que o ser humano deseja movido pela inspiração
do Deus da vida só pode resultar em mais vida, vida em abundância, vida para
todos.
Estamos
sedentos de um acontecimento que nos confirme nessa espera, nessa
esperança. Mas antes de ver a expectativa respondida e culminada, é
preciso esperar. Gratuitamente. Humildemente.
Pobremente. Crer no mistério e esperar que desvende seu lado oculto.
Tocar a revelação e não ousar levantar o véu, que será oportunamente afastado
mostrando o rosto que se deseja, “os olhos desejados que tenho em minhas
entranhas desenhados”, como dizia o místico carmelita e poeta João da
Cruz.
Nada melhor
do que olhar para a mulher e seu corpo grávido. Ela espera. Assim
como todas as suas irmãs pelos tempos afora. Esperam que venha a termo o
que carregam em seu ventre. Esperam numa presença que se faz sentir mais
e mais à medida que os meses avançam. Esperam ainda na ausência que crê
às vezes mais do que vê, desejando ardentemente a presença que inundará de
alegria sua vida e a de todo um povo.
Esperar é
preciso. Quem espera sempre alcança. A semente dará seu
fruto. Enquanto isso, espera-se o futuro que vive no ventre da
mulher. Espera-se um futuro novo, diferente do passado. Ele está
chegando e a qualquer momento pode entrar por qualquer fresta de qualquer
porta. Três vezes salve a esperança, pois quem espera sempre
alcança.
Maria Clara
Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de
“Teologia Latino-Americana: raízes e ramos” (Vozes), entre outros livros
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