Frei Betto
Quero
um Ano Novo onde, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem seus
apetrechos eletrônicos, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam
a diferença entre impressionistas e expressionistas; vejam
espetáculos que reconstituem a Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra
dos Emboabas; e durmam após fazer suas orações.
Quero
um Ano Novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem
laranjas e alfaces, e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um
teto sob o qual reluz o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos
coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre o sofá.
Espero
um Ano Novo em que as igrejas abram portas ao silêncio do coração, o
órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de
mãos dadas com a justiça, faça com que o céu deixe de concentrar o olhar
daqueles aos quais é negada a felicidade nesta terra.
Um
Ano Novo Feliz com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume,
os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no
diálogo que nem se dá conta de que a TV e os celulares são aparelhos mudos e
cegos num canto da sala.
Desejo
um Ano Novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o
coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro
nem se expressem em dialetos ininteligíveis. E que compareçam às urnas em
outubro para resgatar as políticas públicas de proteção social, a redução da
desigualdade social, a autoestima do povo brasileiro e a soberania nacional.
Espero
um Ano Novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do
coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o
tempo nem marque a velocidade do tempo pelos batimentos cardíacos.
Um
Ano Novo para saborear a brevidade da vida como se ela fosse perene, em companhia
de ourives de encantos.
Quero
um Ano Novo em que a cada um seja assegurado o direito do emprego, a honra do
salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da
profissão e a alegria da vocação.
Rogo
por um Ano Novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não
pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que
os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime
isenção.
Um
Ano Novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários
corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a
política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de
todos.
Espero
um Ano Novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças,
bancos acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a
natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as
minudências da vida - um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto
por aquele que se destaca como o melhor contador de anedotas.
Desejo
um Ano Novo em que o homem jamais humilhe a mulher; a professora de cidadania
não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a
distância entre o público e o privado seja espelhada pela
transparência.
Quero
um Ano Novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de
gorduras, a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile
ao som dos mistérios mais profundos.
Espero
um Ano Novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde
se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado
pela miséria ou privado de pão, paz, saúde, educação, cultura e prazer.
Um
Ano Novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à
partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; a idolatria ao
dinheiro ao espírito das Bem-Aventuranças.
Aspiro
a um Ano Novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela
transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de
alimentos despoluídos.
Um
Ano Novo que seja o último da Era da Fome.
Desejo
um Feliz Ano Novo de muita saúde e paz aos meus pacientes leitores - os que
concordam e também os que discordam.
Rogo
por um Ano Novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão
sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor
das montanhas de Minas, a literatura de Machado e Rosa.
Desejo
um Ano Novo tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a
exuberância do mar, a esperança e a nossa capacidade de amar. Exceto o que no
passado nos fez menos belos, generosos e solidários.
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Frei
Betto, escritor, autor de “Minha avó e seus mistérios” (Rocco), entre outros
livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados
no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria
Virtual – www.freibetto.org Ali
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correio.
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